Vida
longa
Pedro J. Bondaczuk
Nós, que escrevemos ficção,
vivemos gerando e matando tipos dos mais diversos –, jovens, idosos, crianças,
bebês, homens, mulheres etc. – alguns heróicos e fascinantes, outros asquerosos
e cruéis. Calma, leitor! Não afirmei que nós, escritores, sejamos psicopatas
“serial-killers”, a nos comprazermos com sangue para satisfazermos eventuais
taras. Quando falo de “geração e morte”, refiro-me, óbvio, aos personagens que
criamos, para darem vida às histórias que nos propomos a narrar.
Alguns escritores criam verdadeira
multidão, que daria para povoar uma dessas tantas pequenas cidadezinhas
interior afora. Eu mesmo devo ter produzido umas três centenas deles ou mais,
cada qual com suas próprias características físicas, psicológicas e
comportamentais. Via de regra, vou “matando-os”, um a um, ao longo do enredo e
raros sobrevivem a essas “carnificinas literárias”. Muitas vezes, sequer o
herói das histórias narradas escapa.
Ao longo da produção do texto
(romance, novela ou conto, este último o gênero da minha predileção e minha
grande especialidade), afeiçôo-me aos tipos que vou criando. Familiarizo-me com
eles, sofro seus desgostos e decepções, vibro com seus êxitos, curto os seus
amores, revolto-me com as traições de que são vítimas, como se fossem pessoas
reais, de carne e osso, meus parentes, meus amigos, meus filhos, sei lá. Quando
concluo a narrativa, chego a sentir saudades de alguns desses personagens,
certa nostalgia e uma enorme tentação de “utilizá-los” nas histórias seguintes
que me proponho a escrever.
Vários escritores confessaram-me
que sentem a mesmíssima coisa. Portanto, nem nesse aspecto consigo ser
original. Alguns, vão mais longe, e aproveitam, de fato, vários desses
personagens em histórias seguintes, uma, duas, três, cinco a mais.
Isso funciona? Depende! Desde que
você dê coerência ao enredo e tenha o cuidado de não cair em contradição, não
raro dá certo. Vejam o caso de Edgar Rice Burroughs, que se consagrou com o seu
Tarzan. Escreveu, se não me falha a memória, cerca de três dezenas de romances,
narrando as peripécias desse mesmo personagem.
O alemão Karl May (não confundir
com Karl Marx), foi até mais longe. Criou uma espécie de super-homem, um herói
imbatível e com uma sorte fenomenal, que escapa de todos os perigos, até dos
que nós, mortais comuns, sucumbiríamos apenas de vislumbrá-los, e utilizou-o em
mais de 50 aventuras, que tiveram por cenário todos os continentes, e países os
mais diversos, inclusive o Brasil. Para não ir muito longe, posso citar a
britânica J. K. Rowlings, com seu Harry Potter, que faz a delícia da garotada
que gosta de ler (e de muitos marmanjos também, inclusive deste).
Aliás, estou estudando uma forma
de “ressuscitar” alguns dos meus personagens mais fascinantes e fazê-los viver
novos episódios em contos (e até romances) que tenho na cabeça. De uns tempos
para cá, tenho evitado de “matar” os que considero com maior potencial para
despertar empatia com os leitores. Espero conferir-lhes vida longa num futuro,
quem sabe, bastante próximo.
Isso não quer dizer que tenha sido
esgotada minha capacidade de criar novos tipos. Aliás, ela não se esgota jamais
para escritor algum, mesmo para o assustado principiante. Ocorre que alguns
personagens são tão fortes, tão fascinantes e tão peculiares, física e
psicologicamente, que não merecem morrer no final das histórias em que estão
envolvidos. Isso é narcisismo intelectual? Apontem um só escritor que não seja
narcisista nesse aspecto, ora bolas!
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