Thursday, August 04, 2016

A paz dos cemitérios


Pedro J. Bondaczuk


A visita do presidente norte-americano Ronald Reagan à Europa e, mais do que ela, os seus pronunciamentos, quer na Conferência de Cúpula Econômica dos países mais industrializados do Ocidente, quer nas diversas cerimônias de que participou, reacenderam o que se convencionou chamar de guerra fria.

Ataques e acusações sucederam-se, nas últimas horas, entre as superpotências, colocando a descoberto, perante toda a comunidade internacional, as profundas divergências existentes entre os senhores da Terra.

A história humana, desde o início da civilização, há uns dez mil anos, sempre se caracterizou pela emergência de algum grande império que, pela força de suas armas, submeteu as demais nações a uma incômoda, mas realística, vassalagem.

Egito, Caldéia, Assíria, Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma tiveram seus períodos de predomínio, apenas para citar os mais evidentes. Hoje, isso também ocorre, mas com dois grandes impérios, ao invés de um único predominando por determinado período, em tudo antagônicos. Ambos assumem posição maniqueísta. Cada um deles se diz o suprassumo do bem e, por conseqüência, impinge ao rival a personificação de todo o mal.

Um é o Ocidente, o outro, o Oriente. Um é o predomínio do capital sobre o trabalho. O outro pretende ser o reverso dessa medalha (embora seja algo profundamente contestável). Ambos, todavia, na sua essência, têm algo que os identifica: a verdadeira paranóia contra o indivíduo, contra o ser humano isolado, desvinculado de qualquer grupo social.

Um demonstra isso através da figura abstrata, mas onipresente, do Estado, em nome do qual tudo seria válido, até mesmo a total anulação da individualidade, para o estabelecimento de um coletivismo utópico, indesejável e impraticável (senão injusto).

Outro, anula o indivíduo por meio de corporações, através de métodos a priori menos cruéis, é verdade, mas se propõe intrinsecamente à mesma coisa do antagonista: a anulação pessoal em favor de uma massificação.

Para isso, adota maneiras muito sutis, através de uma seleção natural das pessoas, instituindo, tacitamente, algo denominado “escala social”, ou “pirâmide”, que teoricamente é bastante flexível e oferece oportunidades iguais para todos. Oferece? Na prática...Bem, na prática, a teoria é bem outra. E isso se manifesta através da educação (ou falta dela).

A grande verdade é que o mundo, hoje, está sob autêntica ocupação das superpotências. Isso fica mais evidenciado na Europa, onde tropas e mísseis nucleares de Estados Unidos e União Soviética tornam aquele continente, repositório das mais legítimas heranças culturais da humanidade, num terreno virtualmente minado.

Nos dias que correm, os analistas e intelectuais já se condicionaram a raciocinar por esse modelo maniqueísta. Isso funciona na base do “quem não está comigo, está contra mim”. Quem não é capitalista, é comunista e vice-versa. Não admitem um “tertius”.

Convenhamos, é uma incrível falta de imaginação desse ser contraditório, que conseguiu tantos e tão magníficos saltos tecnológicos, que já possui condições de deixar o seu domo cósmico para explorar o espaço exterior, mas que ainda não aprendeu, passados dez milênios de civilização, os princípios mais elementares de uma convivência pacífica e, portanto pródiga de fraternidade, com o respeito às diferenças mútuas.

Dois milênios depois de Cristo, os dois impérios contemporâneos pautam sua conduta pelos mesmos princípios da última potência do passado, Roma, através da adoção de um similar da “pax romana”, a paz dos cemitérios. Só que, desta vez, as armas atômicas, certamente, transformarão, caso venham a ser usadas num momento de extremo desvario, este planeta, azul e brilhante, na eterna sepultura de 4,8 bilhões de insensatos.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 7 de maio de 1985)

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