A paz dos cemitérios
Pedro J.
Bondaczuk
A visita do presidente norte-americano Ronald Reagan à
Europa e, mais do que ela, os seus pronunciamentos, quer na Conferência de
Cúpula Econômica dos países mais industrializados do Ocidente, quer nas
diversas cerimônias de que participou, reacenderam o que se convencionou chamar
de guerra fria.
Ataques e acusações sucederam-se,
nas últimas horas, entre as superpotências, colocando a descoberto, perante
toda a comunidade internacional, as profundas divergências existentes entre os
senhores da Terra.
A história humana, desde o início
da civilização, há uns dez mil anos, sempre se caracterizou pela emergência de
algum grande império que, pela força de suas armas, submeteu as demais nações a
uma incômoda, mas realística, vassalagem.
Egito, Caldéia, Assíria,
Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma tiveram seus períodos de predomínio,
apenas para citar os mais evidentes. Hoje, isso também ocorre, mas com dois
grandes impérios, ao invés de um único predominando por determinado período, em
tudo antagônicos. Ambos assumem posição maniqueísta. Cada um deles se diz o
suprassumo do bem e, por conseqüência, impinge ao rival a personificação de
todo o mal.
Um é o Ocidente, o outro, o
Oriente. Um é o predomínio do capital sobre o trabalho. O outro pretende ser o
reverso dessa medalha (embora seja algo profundamente contestável). Ambos,
todavia, na sua essência, têm algo que os identifica: a verdadeira paranóia
contra o indivíduo, contra o ser humano isolado, desvinculado de qualquer grupo
social.
Um demonstra isso através da
figura abstrata, mas onipresente, do Estado, em nome do qual tudo seria válido,
até mesmo a total anulação da individualidade, para o estabelecimento de um
coletivismo utópico, indesejável e impraticável (senão injusto).
Outro, anula o indivíduo por meio
de corporações, através de métodos a priori menos cruéis, é verdade, mas se
propõe intrinsecamente à mesma coisa do antagonista: a anulação pessoal em
favor de uma massificação.
Para isso, adota maneiras muito
sutis, através de uma seleção natural das pessoas, instituindo, tacitamente,
algo denominado “escala social”, ou “pirâmide”, que teoricamente é bastante
flexível e oferece oportunidades iguais para todos. Oferece? Na prática...Bem,
na prática, a teoria é bem outra. E isso se manifesta através da educação (ou
falta dela).
A grande verdade é que o mundo,
hoje, está sob autêntica ocupação das superpotências. Isso fica mais
evidenciado na Europa, onde tropas e mísseis nucleares de Estados Unidos e
União Soviética tornam aquele continente, repositório das mais legítimas
heranças culturais da humanidade, num terreno virtualmente minado.
Nos dias que correm, os analistas
e intelectuais já se condicionaram a raciocinar por esse modelo maniqueísta.
Isso funciona na base do “quem não está comigo, está contra mim”. Quem não é
capitalista, é comunista e vice-versa. Não admitem um “tertius”.
Convenhamos, é uma incrível falta
de imaginação desse ser contraditório, que conseguiu tantos e tão magníficos
saltos tecnológicos, que já possui condições de deixar o seu domo cósmico para
explorar o espaço exterior, mas que ainda não aprendeu, passados dez milênios
de civilização, os princípios mais elementares de uma convivência pacífica e,
portanto pródiga de fraternidade, com o respeito às diferenças mútuas.
Dois milênios depois de Cristo,
os dois impérios contemporâneos pautam sua conduta pelos mesmos princípios da
última potência do passado, Roma, através da adoção de um similar da “pax
romana”, a paz dos cemitérios. Só que, desta vez, as armas atômicas,
certamente, transformarão, caso venham a ser usadas num momento de extremo
desvario, este planeta, azul e brilhante, na eterna sepultura de 4,8 bilhões de
insensatos.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 7
de maio de 1985)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.
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