Wednesday, August 24, 2016

Ponta do iceberg


Pedro J. Bondaczuk


O presidente Fernando Henrique Cardoso disse, em determinada oportunidade, tão logo assumiu a presidência, que o Brasil é um país "viciado em crises". Quando não há uma real, uma fictícia é "inventada" e ganha enormes dimensões, até que o assunto perca o interesse e caia no esquecimento.

Não é, no entanto, o que ocorre em relação ao "escândalo dos precatórios", objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, por parte do Congresso. Trata-se de uma questão de extrema gravidade, talvez mais grave até do que a da manipulação do Orçamento da União, que custou a cassação dos "anões", embora muitos dos mencionados como envolvidos escapassem ilesos, por falta de provas.

O caso atual refere-se à negociata com títulos públicos, cuja emissão só é permitida para o pagamento de dívidas do Poder Executivo (no caso dos Estados e municípios) junto à Justiça. Para serem emitidos, tais papéis precisam ter a aprovação do Senado, o que aconteceu. O montante obtido com sua colocação no mercado deve ser utilizado, única e exclusivamente, para o pagamento dos precatórios.

O que ocorreu foi uma brutal desvalorização, quando de sua colocação no mercado, e uma revalorização maior ainda, quando caíram em mãos de determinadas instituições financeiras, que os compraram na baixa e revenderam na alta, com lucros fabulosos. Para eles, lógico. O Poder Público arcou apenas com os prejuízos. Ou seja, o prejudicado, em última instância, foi o contribuinte. O País perdeu.

Esta é uma --- embora a maior --- das irregularidades. A outra, refere-se à utilização do dinheiro obtido com a venda dos referidos títulos. Muitos secretários de Fazenda usaram o dinheiro para "fazer caixa" e saldar outros compromissos das respectivas administrações, que não com os precatórios. Infringiram, por conseqüência, a lei.

No meio de "laranjinhas" e "tubarões", o que veio à tona, se presume, foi apenas a "ponta de um iceberg". Suspeita-se que as implicações e envolvimentos sejam muito mais profundos. A atual CPI vem tendo um comportamento louvável, como outras bem sucedidas, casos específicos das que apuraram o malfadado "esquema PC" e pilharam em infração a "Máfia do Orçamento" da União.

O que causa frustração ao cidadão, especialmente àquele que acredita, de fato, que o Brasil esteja mudando (para melhor), em termos de moralidade pública, é a falta de conseqüência para os infratores. Raros, raríssimos, foram punidos pela Justiça e não se sabe de nenhum que tenha devolvido aos cofres do Estado o dinheiro obtido ilicitamente. Quem sabe desta vez a coisa mude! Já não é sem tempo.

(Texto escrito em 3 de março de 1997, publicado como editorial na Folha do Taquaral).


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