Ponta do iceberg
Pedro J. Bondaczuk
O
presidente Fernando Henrique Cardoso disse, em determinada oportunidade, tão
logo assumiu a presidência, que o Brasil é um país "viciado em
crises". Quando não há uma real, uma fictícia é "inventada" e
ganha enormes dimensões, até que o assunto perca o interesse e caia no
esquecimento.
Não
é, no entanto, o que ocorre em relação ao "escândalo dos
precatórios", objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, por parte
do Congresso. Trata-se de uma questão de extrema gravidade, talvez mais grave
até do que a da manipulação do Orçamento da União, que custou a cassação dos
"anões", embora muitos dos mencionados como envolvidos escapassem
ilesos, por falta de provas.
O
caso atual refere-se à negociata com títulos públicos, cuja emissão só é
permitida para o pagamento de dívidas do Poder Executivo (no caso dos Estados e
municípios) junto à Justiça. Para serem emitidos, tais papéis precisam ter a
aprovação do Senado, o que aconteceu. O montante obtido com sua colocação no
mercado deve ser utilizado, única e exclusivamente, para o pagamento dos
precatórios.
O
que ocorreu foi uma brutal desvalorização, quando de sua colocação no mercado,
e uma revalorização maior ainda, quando caíram em mãos de determinadas
instituições financeiras, que os compraram na baixa e revenderam na alta, com
lucros fabulosos. Para eles, lógico. O Poder Público arcou apenas com os
prejuízos. Ou seja, o prejudicado, em última instância, foi o contribuinte. O
País perdeu.
Esta
é uma --- embora a maior --- das irregularidades. A outra, refere-se à
utilização do dinheiro obtido com a venda dos referidos títulos. Muitos
secretários de Fazenda usaram o dinheiro para "fazer caixa" e saldar
outros compromissos das respectivas administrações, que não com os precatórios.
Infringiram, por conseqüência, a lei.
No
meio de "laranjinhas" e "tubarões", o que veio à tona, se
presume, foi apenas a "ponta de um iceberg". Suspeita-se que as
implicações e envolvimentos sejam muito mais profundos. A atual CPI vem tendo
um comportamento louvável, como outras bem sucedidas, casos específicos das que
apuraram o malfadado "esquema PC" e pilharam em infração a
"Máfia do Orçamento" da União.
O
que causa frustração ao cidadão, especialmente àquele que acredita, de fato,
que o Brasil esteja mudando (para melhor), em termos de moralidade pública, é a
falta de conseqüência para os infratores. Raros, raríssimos, foram punidos pela
Justiça e não se sabe de nenhum que tenha devolvido aos cofres do Estado o
dinheiro obtido ilicitamente. Quem sabe desta vez a coisa mude! Já não é sem
tempo.
(Texto
escrito em 3 de março de 1997, publicado como editorial na Folha do Taquaral).
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