Wednesday, August 17, 2016

Talento é obrigação


Pedro J. Bondaczuk


Muito se fala sobre essa questão do talento e quase tudo o que se diz a respeito se resume num grande lugar-comum. Todos, todavia, nascem com alguma aptidão, nem que seja, apenas, para quebrar pedras.

Ocorre que alguns amam o que sabem fazer de melhor, sem se importar se isso é importante ou não, e investem nisso, se tornando excelentes. Outros tantos, talvez porque seu talento não seja fonte de riquezas, não proporcione oportunidades para ganhar dinheiro com fartura (ou eles acham que não proporcione) abrem mão dele e não se acertam em nenhuma outra atividade. Acabam se tornando pessoas medíocres, obscuras, descartáveis no mercado de trabalho, transformando-se em pesos mortos para a família, a sociedade e para si próprios.

Talento, portanto, não é um privilégio, um prêmio da natureza, um galardão, mas uma obrigação que cada qual tem em relação ao mundo. A espaçonave Terra, embora pareça gigantesca, é, de fato, pequena e está superlotada. Não comporta, pois, passageiros, que se limitem a contemplar a paisagem, sem nada fazer. Todos os que a adentram são tripulantes e por isso precisam conhecer (e têm que exercer) uma função.

Máximo Gorky, num documento que legou à posteridade, intitulado “Carta aos jovens escritores”, constatou o seguinte, a propósito: “O talento desenvolve-se no amor que pomos no que fazemos. Talvez até a essência da arte seja o amor pelo que se faz, o amor pelo próprio trabalho”.

É isso o que o aspirante a escritor (ou mesmo o escritor já feito) precisa ter: amor pelo que faz. Tem que amar a literatura. Só assim seu talento inato irá aflorar e será desenvolvido até quase a perfeição. Mas esse desenvolvimento apenas irá ocorrer mediante o exercício permanente, disciplinado, inteligente, cotidiano, incansável da sua arte.

Há alguma idade ideal para se manifestar o talento para a Literatura, escrevendo um livro, e dando início, dessa forma, a uma carreira literária? A resposta é: não! Tudo vai depender de uma série de fatores, como a cultura, a capacidade de observação, a autodisciplina, a força de vontade e, principalmente, a realidade de vida de cada um. E tudo isso não depende de idade.

Castro Alves, Álvares de Azevedo e tantos outros jovens brilhantes, que cursavam Direito na tradicionalíssima faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, em meados do século XIX, por exemplo, já eram escritores “veteranos”, mal completaram a maioridade. O mesmo ocorreu em Coimbra, com uma geração que se notabilizou pela boemia, mais ou menos na mesma época, conforme Eça de Queiroz nos retrata tão bem em alguns de seus livros, notadamente em “A Correspondência de Fradique Mendes” e “Cartas da Inglaterra”.

Em compensação, conheço um escritor que produziu seu primeiro livro somente aos 66 anos, um após sua aposentadoria em uma empresa multinacional. Sua intenção era a de escrever suas memórias (que nem sonhava em publicar), agora que os filhos estavam criados, que era avô, e que dispunha, além de talento inato para a Literatura (sufocado por tantos anos), o fator experiência. Além de bastante tempo livre (que ele achava que seria de mais quatro anos de vida, no máximo). Acabou escrevendo, e publicando, um romance, de muito sucesso de vendas, com críticas altamente favoráveis.

Bastou  “abrir as torneiras da alma”, para que jorrassem idéias em profusão. E os livros foram se sucedendo: um, dois, cinco, dez. Publicou, até a presente data, quinze e já está escrevendo o décimo sexto. Ele, que achava que viveria mais quatro anos, se tanto, acabou de completar oitenta anos, em pleno vigor físico e mental. Trata-se de figura bastante conhecida nos meios literários e culturais, que não revelarei quem é, porquanto ele não me autorizou a isso.

Como se vê, o talento pode se manifestar em qualquer idade, bem como o sucesso (ou o fracasso que, infelizmente, é mais comum). Quem escreve seu primeiro livro, digamos, aos vinte anos, encontra alguma dificuldade na falta de vivência. Não é nada, porém, que não possa suprir com argúcia e capacidade de observação. Por outro lado, tem, a seu favor, o entusiasmo característico da juventude. Ele é suficiente para lhe assegurar êxito? Talvez sim, talvez não.

Já quem se dispõe a escrever em idade, digamos, provecta, tem como aliada uma vasta experiência de vida. Já viu e viveu muitas coisas e tem tudo para tornar seus textos reflexivos, profundos e, caso se trate de ficção, verossímeis. Há o risco, todavia, de sequer completar sua obra. O tempo, implacável e tirano, cobra um preço às vezes duríssimo de quem viveu intensamente.

O filósofo norte-americano, Ralph Waldo Emerson, fez as seguintes ponderações a esse propósito, no livro “Old Age”: “Nós adiamos o nosso trabalho literário até que tenhamos maturidade e técnica para escrever, mas um dia descobrimos que o nosso talento literário não passava de uma efervescência juvenil que perdemos”.

Pense nisso, meu caro escritor, tenha você recém-completado vinte anos e esteja com a cabeça repleta de sonhos e de projetos ou seja da eufemisticamente chamada “Terceira Idade”, com medo que seu tempo de vida se esgote antes que manifeste seu talento, que escondeu do mundo (por falta de coragem ou de oportunidade) por tantos e tantos anos.

Se você, querido leitor, sentir que tem alguma vocação para as letras, se amar a literatura, se escrever lhe der satisfação, exercite essa pontinha de talento. Verá que ele irá crescer, crescer e crescer à medida que você exercitá-lo com constância. Exiba sua produção e afira sua evolução. Participe. Não se acanhe. Aposte no seu talento. Afinal, queira ou não, admita ou deixe de admitir, esta é a sua obrigação, para com você mesmo, e para com o mundo.


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