Massacre
de xiitas é ignorado
Pedro J. Bondaczuk
O êxodo de cerca de 2,5 milhões de refugiados curdos
do Norte do Iraque para a Turquia e o Irã, ocorrido assim que as tropas de
Saddam Hussein esmagaram uma rebelião que eles protagonizaram, tão logo terminou
a guerra do Golfo Pérsico, despertou as atenções da opinião pública
internacional para o seu sofrimento.
Durante semanas, imagens chocantes, de pessoas
famintas, de crianças doentes morrendo de fome e de frio, de gente desesperada
e com medo de um massacre, foram levadas aos lares das pessoas através de todo
o mundo. Claro que tudo isso causou revolta em quem assistia. Ainda mais quando
se leva em conta que os ânimos continuavam exaltados contra Saddam Hussein pelo
susto que ele deu em todos, com suas ameaças de promover o que chamou de “a mãe
de todas as batalhas”.
Grupos de pacifistas mobilizaram-se por todo o
Ocidente, para pressionar, principalmente os Estados Unidos, no sentido de que
se prestasse socorro aos curdos. Em poucos dias, foi decidido o estabelecimento
de um enclave no Norte do Iraque para abrigar, em segurança, os milhões de
fugitivos que estavam desestabilizando a região. Hoje, pode-se dizer que o
êxodo cessou. A volta para casa dos refugiados está sendo mais lenta do que a
saída.
Mas, aos poucos, eles estão aprendendo a confiar na
segurança dos aliados para protegê-los de uma possível vingança de Saddam.
Enquanto este drama se desenrolava no palco principal, todavia, um outro, muito
pior, se verificava no secundário, no Sul do Iraque, zona que inclusive estava
sob ocupação das tropas da coalizão multinacional, sem que ninguém se desse
conta disso.
Nem mesmo informações precisas a esse respeito
puderam ser obtidas. Tudo o que se soube foi o que refugiados que se asilaram
no Irã narraram, com as naturais imprecisões e exageros. Tratou-se da
perseguição movida pela Guarda Republicana iraquiana contra a comunidade
muçulmana xiita. É praticamente impossível alguém apurar com rigor o número de
pessoas massacradas na região em decorrência dessa vingança.
Os milhares de mortos e feridos pelas bombas aliadas
durante a guerra se misturaram a outros tantos, caçados impiedosamente pelas
forças leais ao governo. Basra, a milenar Bassora, nome com que esta que é a
segunda cidade do país e seu principal porto, sempre foi mais conhecida, hoje
não passa de um monte de ruínas.
Por ser a sede regional mais importante da Guarda
Republicana, e por se localizar nas proximidades do Golfo Pérsico, onde a frota
naval norte-americana detinha domínio absoluto, ela foi duramente atingida por
milhares de ataques por ar e por mar. Quem conseguiu sair daquele inferno se
deu bem.
Mas muita gente, muita mesmo, perdeu a vida ali, sem
poder se defender. Os xiitas, todavia, dado o seu radicalismo, não contaram com
o mesmo beneplácito mundial dispensado aos curdos. Sua tragédia na guerra civil
iraquiana ainda está para ser devidamente apurada.
Mas tudo indica que não foi das menores. Muito pelo
contrário. É até mesmo possível que jamais o mundo venha a saber exatamente o
que ocorreu no Sul do Iraque. Afinal, os preconceitos de todas as espécies e os
interesses nem sempre morais dos poderosos segregaram essa seita muçulmana.
Pessoas como todos nós, com os mesmos sonhos,
sofrimentos e aspirações ainda são tratadas, apenas, como meras cifras tão
somente por professarem crenças diversas das nossas. Suas mortes e seus
padecimentos não foram considerados “relevantes” para a opinião pública
internacional.
(Artigo publicado na página 22, Internacional, do
Correio Popular, em 12 de maio de 1991)
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