Espionagem: a arma preferida dos “falcões”
Pedro J.
Bondaczuk
Os “falcões” (do Cremlin e da Casa Branca) têm meios
próprios para fomentar discórdias entre as superpotências, de maneira
apropriada e nos momentos que julgam oportunos para pôr a perder qualquer
entendimento mais amplo que se possa buscar entre a União Soviética e os
Estados Unidos.
São designados dessa forma os
belicistas existentes nos dois países, aqueles que continuam acreditando na
velha máxima romana: “se queres a paz, deves te preparar para a guerra”. O
conflito, para esses grupos, é algo indispensável, vital como o ar que eles
respiram. São as tensões, muitas forjadas artificialmente, que os mantêm em
evidência. Que determinam verbas crescentes para os órgãos que dirigem ligados,
de uma maneira ou de outra, à indústria armamentista. Que os faz importantes e
ouvidos por multidões.
Este preâmbulo vem a propósito
dos recentes casos de espionagem da embaixada norte-americana em Moscou, ao
qual se está dando um destaque muito maior do que se daria em circunstâncias
diferentes.
Todas as vezes que os dirigentes
das superpotências estiveram em vésperas de diálogos importantes, ou de
acordos, questões dessa natureza ganharam as manchetes. Isso aconteceu, por
exemplo, em novembro de 1985, antes da reunião de cúpula de Genebra, com o
episódio dos marinheiros russos, que as autoridades norte-americanas garantiram
que haviam pedido asilo no país, embora eles jurassem que foram seqüestrados.
Repetiu-se antes do encontro de
Reykjavik, que por pouco deixa de acontecer, em virtude do “affaire”
Daniloff-Zakharov, o primeiro preso em Moscou e o segundo em Nova York, ambos
acusados de espionagem.
E volta a se verificar agora, com
um episódio da mesma natureza, há uma semana da viagem do secretário de Estado
dos Estados Unidos, George Shultz, à União Soviética, com o objetivo de acertar
detalhes daquele que pode ser o primeiro acordo desarmamentista da Era Nuclear:
o que prevê a retirada de todos os mísseis atômicos de médio alcance da Europa.
Para os amantes da paz e da
concórdia, e que ainda acreditam que a humanidade possa ter uma chance de
sobrevivência pelas vias do entendimento, mediante a eliminação das terríveis
armas que a ameaçam, não poderia haver um momento mais inoportuno0 para que uma
questão como a da espionagem da embaixada norte-americana em Moscou viesse à
tona.
Os “falcões”, no entanto, não
pensam dessa maneira. Se não fosse esse atrito, eles tratariam de forjar algum
outro. Como o insensato e desnecessário bombardeio à Líbia, do coronel Khadafy,
há um ano, que impediu que Reagan e Gorbachev se encontrassem em junho de 1986
nos Estados Unidos. Ou então seria um incidente bobo qualquer, que a mídia de
ambos os lados se encarregaria de dar colorações muito mais trágicas do que as
que ele pudesse ter.
O que há, hoje em dia, para um
espião fazer numa missão diplomática, quando poderosos satélites vasculham as
respectivas sedes de governo 24 horas por dia e revelam à outra parte o que o
presidente norte-americano e o líder soviético fazem, falam, assinam e até
comem em suas refeições?
Com certeza, em Moscou, os
“falcões” de lá já estão tramando qualquer coisa para irritar a sua população,
ressaltando a “perfídia” do adversário, como está sendo feito agora em relação
ao suposto caso de espionagem da KGB na terra de “Tio Sam”.
O cidadão comum, nesta altura,
não passa de mero joguete. Sua vontade é sempre manipulada, seus preconceitos
são alimentados, seu rancor é estimulado, tudo por um motivo até bastante
prático: dinheiro.
Para que ele não se oponha à
crescente cobrança de tributos e às verbas monumentais destinadas à “defesa”.
Os políticos sabem que há meios mais baratos e eficientes de manter a segurança
nacional verdadeiramente “segura”. Mas o que eles fariam com os 20 milhões (ou
mais) de seres humanos que dependem, direta ou indiretamente, da indústria
armamentista, em caso de não haver mais nenhuma tensão internacional?
Por isso, ninguém deseja o
desarmamento completo, como Gorbachev teve a falta de tato de propor. Reduzir,
sim; eliminar, jamais, é o lema dos que nos lideram. E o meio que eles têm para
isso é alimentar estereótipos, fomentar rancores e manter, sobretudo, os
espíritos armados contra o nosso irmão. É o estigma de Caim, a impedir que se
consiga algo que se diz querer, mas que não se faz nenhum esforço sério para se
conseguir: a paz universal.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 7
de abril de 1987).
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