Vida própria
Pedro
J. Bondaczuk
Interessante como
alguns personagens que criamos, ao contarmos determinada história – não importa
se em romance, conto, novela ou peça de teatro – ganham vida própria. É como se
sempre tivessem existido, em carne e osso, e nós nos limitássemos a narrar suas
peripécias, às quais buscamos dar o máximo de verossimilhança.
Alguns personagens são
criados para terem papéis secundários, de meros coadjuvantes, quando não de
simples figurantes. Todavia, em certo ponto da narrativa, crescem, subitamente,
se agigantam, tomam conta da nossa mente e parecem nos conduzir, em vez de
serem “conduzidos”. Tornam-se os principais heróis, ou vilões, das nossas
narrativas, quase que à nossa revelia.
São inúmeros os
escritores com os quais conversei que confessaram que isso lhes acontece
amiúde. Ademais, os planejamentos que fazemos, por exemplo, de um romance, não
implicam em eventual engessamento da criatividade. Devem servir, somente, de
linhas balizadoras e não de caminhos obrigatórios, de roteiros inflexíveis a
seguir, que não possamos mudar, de acordo com as necessidades do enredo. Acho
isso fascinante no processo de criação.
Há personagens que se
tornam tão marcantes, que chegam a caracterizar, até, seus autores. Quando se
fala de Capitu, por exemplo, não há um só leitor culto e minimamente conhecedor
de Literatura Brasileira que não a associe, de imediato, àquele que a criou,
com as tintas da sua imaginação e do seu genial talento: Machado de Assis.
Alguns ganham tamanha
ascendência sobre seus criadores, que não se esgotam em um único romance, conto
ou novela. Aparecem em livros e mais livros. Tarzan, de Edgar Rice Burroughs,
foi um desses casos. Pode ser citada uma imensa relação de tantos outros
personagens com o mesmo destino, mas creio que isso seja desnecessário, pois o
leitor, certamente, se lembrará de vários e vários que se enquadrem nesse caso.
Érico Veríssimo, na
série de romances intitulada, genericamente, de “O tempo e o vento”, não se
limitou a criar um único personagem desse tipo. Elaborou vários, incorporando
as narrativas dos “descendentes” do seu herói original, frutos da união dos
Terra com os Cambará.
Há quem chegue a achar
que essa história seja verdadeira, tamanha sua verossimilhança e a perícia da
sua criação. Na verdade, Érico pretendeu contar (e fé-lo magistralmente) a
história de um longo período do seu Estado natal, o Rio Grande do Sul. Valeu-se
da ficção para retratar uma realidade. E se consagrou.
Você, escritor amigo,
quando se vir às voltas com algum desses “atrevidos”, nascidos da sua
imaginação, que queira ocupar, na marra, o centro do palco, sem se contentar
com o papel que você pretendeu lhe atribuir, e que ameace ofuscar, até, o seu
brilho (e não raro, ofusca mesmo) não resista. Deixe que seu ousado personagem
o conduza, pois o resultado, provavelmente, será alguma obra-prima da
literatura do seu tempo.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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