Thursday, August 11, 2016

Preservação da memória

Pedro J. Bondaczuk

Poucas pessoas se preocupam, de fato – mediante ações efetivas – com a preservação da memória. Acontecimentos marcantes das famílias, por exemplo, são logo esquecidos e as gerações seguintes, seus descendentes, pouco ou nada ficam conhecendo dos feitos, sucessos e fracassos (estes também devem ser lembrados e com atenção redobrada) dos que lhes deram carinho, afeto, educação e, sobretudo, a vida.

Como se vê, sequer refiro-me, aqui, à memória nacional, a dos grandes vultos, dos líderes, dos intelectuais, dos pesquisadores, dos construtores de cidades, tumbas e monumentos etc., dos que contribuíram, com suas ações, para a grandeza e o progresso do seu país. Destes, poucos são lembrados e reverenciados, como mereceriam, meros meses (ou menos) após morrerem.

Nem mesmo lembranças familiares são preservadas (salvo raríssimas exceções). É fato que a maioria das famílias conta com álbuns de fotografias que registram momentos especiais de suas vidas. Mas são imagens frias, sem referências, sem indicações de datas, locais e circunstâncias em que foram tiradas e, com o passar dos anos, são inúteis para de sequer sugerirem informações a respeito..

O que você conhece (a fundo) sobre o seu avô, caríssimo leitor? Ou acerca de seu bisavô? Ou mesmo do seu pai? Pouco, muito pouco, não é verdade? Raramente nos preocupamos em preservar para a posteridade documentos e anotações sobre nossa família. Achamos que é algo que importe apenas a nós. Nem sempre.

Explico por que. Tenho a “mania” de pesquisar a vida e a obra de escritores pouco conhecidos, mas cuja literatura seja de inegável valor estético. Ou seja, que tenha não apenas forma, mas, principalmente, conteúdo. Para tanto, busco informações onde a lógica sugere haver maior probabilidade de encontrá-las: as famílias dos personagens de minhas pesquisas. Para minha surpresa, todavia, a imensa maioria delas me fornece escassíssimas indicações a esse propósito. E não se trata de má-vontade. Trata-se de ausência de documentação (e de memória).

O mais comum é que me franqueiem toneladas de papéis mofados, amarelecidos pelo tempo e empoeirados (uma tortura para os alérgicos), que as famílias desses escritores entendem que sejam “documentos”. A maioria consiste, apenas, de recibos de aluguel, de notas fiscais de aquisição de eletrodomésticos de todos os tipos, de canhotos de passagens de avião ou de ônibus e assim por diante. Ou seja, nada, absolutamente nada que seja aproveitável para o resgate da memória de um literato.

Ainda se houvesse anotações pessoais, rascunhos de textos literários, cartas, diários ou coisa que o valha, haveria algum proveito nessa papelama. Como resgatar a memória de alguém, todavia, apenas com essa papelada anônima, neutra, genérica e, portanto, sem utilidade prática? Entrevistando os parentes, por outro lado, suas referências tendem a ser as mais vagas possíveis, quando não contraditórias. Sai-se, desse tipo de entrevista, conhecendo menos sobre a pessoa pesquisada do que quando se entra nelas.

O quanto a sua esposa conhece da sua atividade literária, escritor amigo? “Ah, mas ela não se interessa por Literatura”, você poderá dizer. Seja didático e desperte o seu interesse pelas letras ou, pelo menos, pelo que “você” escreve. O que seus filhos sabem sobre os livros que você já publicou? Pelo menos os leram? Têm noção da sua qualidade? Meus filhos, à exceção da minha primogênita, a Tatiana, (infelizmente) conhecem pouco, pouquíssimo da minha obra.

Não podemos, contudo, agir como se fôssemos viver para sempre. Não vamos! Temos que batalhar para que o fruto do nosso talento e da nossa inteligência nos sobreviva e seja útil às futuras gerações. Se não for para preservar nossas obras, respondam, com lógica e tirocínio: para quê produzi-las? Para que tenham fugaz “brilhareco” (na maioria, nem isso) e depois sejam esquecidas, como se nunca houvessem existido? Isso vai contra todo o senso lógico e prático de que me julgo dotado!

O que você tem feito para preservar a memória da sua família? Tem, pelo menos, conversado com os filhos, sobre a trajetória familiar? Vem guardando documentos e referências que permitam reconstituir, um dia – se não com precisão, pelo menos de maneira bem  próxima à realidade – aquilo que você é e faz?

Não se trata, creia, de mera vaidade. Longe disso. Trata-se de ser prático e de não deixar que preciosas experiências e obras se percam por relaxo ou desinteresse. Se não forem preservadas, certamente se perderão. Lembre-se que, na qualidade de escritor, você é (mesmo que não se dê conta ou relute em aceitar) figura pública e, portanto, potencialmente alvo do interesse geral. Não deixe sua memória morrer!


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