Saturday, August 27, 2016

Habilidade e perícia na escolha de Gorbachev

 Pedro J. Bondaczuk


O novo líder soviético, Mikhail Gorbachev, usou uma maneira singular para enfeixar uma soma maior de poder em suas mãos na rígida estrutura do Cremlin, quebrando uma tradição de pelo menos 25 anos na URSS. Ao invés de proceder como todos os antecessores, desde Nikita Krushev, destinando, a si próprio, além da Secretaria-Geral do Partido Comunista, também a Presidência, resolveu ficar com um cargo de maior expressão em nível internacional, posto que por vias indiretas: o comando da política externa do seu país.

Ao retirar do posto de ministro das Relações Exteriores o legendário “Mister Nyet”, Andrei Gromiko, e entregar essa responsabilidade a um neófito no âmbito nacional, o georgiano Edouard Shevardnadze, seu protegido, foi como se empalmasse a função para si próprio.

Ao mesmo tempo, a mudança trouxe duas novas conseqüências, uma prática e outra meramente sentimental. A segunda é a aposentadoria honrosa concedida a um dos maiores diplomatas que o mundo conheceu, respeitado e admirado até pelos mais ferrenhos adversários. A parte prática dessa entrega da Presidência a Andrei Gromiko é o fato do Gorbachev poder contar, doravante, com a companhia permanente de um assessor dos mais tarimbados (e temidos pelos oponentes) nas diversas conferências de alto nível internacionais que terá pela frente. Principalmente na reunião de cúpula que manterá com o não menos hábil e matreiro presidente norte-americano, Ronald Reagan, de 19 a 21 de novembro próximo, em Genebra.

É que a função presidencial na URSS permite que seu titular compareça a todo o encontro aa que o secretário-geral do PC se faça presente. E qual o dirigente político que não gostaria de ter ao seu lado um autêntico “arquivo vivo” da diplomacia mundial, e, ainda por cima, alguém que sempre demonstrou extrema lealdade a todos os governos (e estes foram seis) que serviu?

Se Gorbachev imitasse seus antecessores e reservasse a Presidência para ele, perderia essa oportunidade de conceder uma aposentadoria digna a esse respeitado diplomata. E o cargo, quase que meramente decorativo, não lhe acrescentaria nada, em termos de poder.

Essa é, portanto, a segunda tradição rompida pelo líder soviético.  Primeira ocorreu quando de sua própria ascensão. E não nos referimos apenas à idade, já que ele foi um dos mais jovens integrantes do PC aa subir tão rapidamente. Mas também no que se refere ao preparo para essas funções. Gorbachev é o primeiro dirigente máximo de seu país a ostentar o título universitário. E não apenas um, mas dois de uma vez.

Quanto à posição que doravante o Cremlin vai assumir, visando não somente a distensão, mas à manutenção de uma indispensável coexistência pacífica com os EUA, após essa mudança na estrutura do poder, é ainda muito cedo para se conjeturar.

À primeira vista parece que o estilo Gorbachev no trato com a Casa Branca é menos retórico e agressivo do que o dos antecessores. Mas como ele está na crista do poder há apenas três meses e meio, é muito prematuro esse tipo de análise. A impressão geral é a de que, de fato, virão mudanças na política externa soviética, com um abrandamento de determinadas posições conflituosas em relação ao Ocidente.

Mas, como tudo no Cremlin, estas deverão ser graduais, até mesmo exasperadoramente morosas, já que a preocupação básica da nova liderança russa é (e isso não constitui segredo para ninguém) para com o calamitoso estado da economia da URSS. E, também, por que não dizer, com a avassaladora corrupção que assolou a superpotência do Leste, especialmente no longo período do reinado de Brezhnev.

Oxalá, somente, não sejam vagarosas demais, a ponto de impedirem resultados práticos na aguardada reunião de cúpula de Genebra. Isto, para que o mundo possa respirar, afinal, um pouco mais aliviado com a obtenção de algum acordo que consiga deter a estúpida e insensata corrida armamentista nuclear.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 3 de julho de 1985)

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