Habilidade e perícia na escolha de Gorbachev
O novo líder soviético, Mikhail Gorbachev, usou uma
maneira singular para enfeixar uma soma maior de poder em suas mãos na rígida
estrutura do Cremlin, quebrando uma tradição de pelo menos 25 anos na URSS. Ao
invés de proceder como todos os antecessores, desde Nikita Krushev, destinando,
a si próprio, além da Secretaria-Geral do Partido Comunista, também a
Presidência, resolveu ficar com um cargo de maior expressão em nível
internacional, posto que por vias indiretas: o comando da política externa do
seu país.
Ao retirar do posto de ministro
das Relações Exteriores o legendário “Mister Nyet”, Andrei Gromiko, e entregar
essa responsabilidade a um neófito no âmbito nacional, o georgiano Edouard
Shevardnadze, seu protegido, foi como se empalmasse a função para si próprio.
Ao mesmo tempo, a mudança trouxe
duas novas conseqüências, uma prática e outra meramente sentimental. A segunda
é a aposentadoria honrosa concedida a um dos maiores diplomatas que o mundo
conheceu, respeitado e admirado até pelos mais ferrenhos adversários. A parte
prática dessa entrega da Presidência a Andrei Gromiko é o fato do Gorbachev
poder contar, doravante, com a companhia permanente de um assessor dos mais
tarimbados (e temidos pelos oponentes) nas diversas conferências de alto nível
internacionais que terá pela frente. Principalmente na reunião de cúpula que
manterá com o não menos hábil e matreiro presidente norte-americano, Ronald
Reagan, de 19 a 21 de novembro próximo, em Genebra.
É que a função presidencial na
URSS permite que seu titular compareça a todo o encontro aa que o
secretário-geral do PC se faça presente. E qual o dirigente político que não
gostaria de ter ao seu lado um autêntico “arquivo vivo” da diplomacia mundial,
e, ainda por cima, alguém que sempre demonstrou extrema lealdade a todos os
governos (e estes foram seis) que serviu?
Se Gorbachev imitasse seus
antecessores e reservasse a Presidência para ele, perderia essa oportunidade de
conceder uma aposentadoria digna a esse respeitado diplomata. E o cargo, quase
que meramente decorativo, não lhe acrescentaria nada, em termos de poder.
Essa é, portanto, a segunda
tradição rompida pelo líder soviético.
Primeira ocorreu quando de sua própria ascensão. E não nos referimos
apenas à idade, já que ele foi um dos mais jovens integrantes do PC aa subir
tão rapidamente. Mas também no que se refere ao preparo para essas funções.
Gorbachev é o primeiro dirigente máximo de seu país a ostentar o título
universitário. E não apenas um, mas dois de uma vez.
Quanto à posição que doravante o
Cremlin vai assumir, visando não somente a distensão, mas à manutenção de uma
indispensável coexistência pacífica com os EUA, após essa mudança na estrutura
do poder, é ainda muito cedo para se conjeturar.
À primeira vista parece que o
estilo Gorbachev no trato com a Casa Branca é menos retórico e agressivo do que
o dos antecessores. Mas como ele está na crista do poder há apenas três meses e
meio, é muito prematuro esse tipo de análise. A impressão geral é a de que, de
fato, virão mudanças na política externa soviética, com um abrandamento de
determinadas posições conflituosas em relação ao Ocidente.
Mas, como tudo no Cremlin, estas
deverão ser graduais, até mesmo exasperadoramente morosas, já que a preocupação
básica da nova liderança russa é (e isso não constitui segredo para ninguém)
para com o calamitoso estado da economia da URSS. E, também, por que não dizer,
com a avassaladora corrupção que assolou a superpotência do Leste, especialmente
no longo período do reinado de Brezhnev.
Oxalá, somente, não sejam
vagarosas demais, a ponto de impedirem resultados práticos na aguardada reunião
de cúpula de Genebra. Isto, para que o mundo possa respirar, afinal, um pouco
mais aliviado com a obtenção de algum acordo que consiga deter a estúpida e
insensata corrida armamentista nuclear.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 3
de julho de 1985)
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