O grande “repórter” das
Olimpíadas da Antiguidade
Pedro
J. Bondaczuk
A “imortalidade” de
campeões olímpicos, mas das Olimpíadas originais, as da Grécia Antiga, devem
muito (ou devem “tudo”) o fato de não terem sido completamente esquecidos e
mais, serem lembrados praticamente
depois de 2500 anos de história, a um tal de Pausânias. É preciso, todavia,
distinguir a qual deles me refiro. Desconfio que esse nome era extremamente
comum entre os helenos, tanto na época em que ele viveu, quanto séculos antes
do seu nascimento. Parece-me, o que concluo das pesquisas que realizei, que era
equivalente, na Grécia Antiga, em termos de quantidade, ao que é hoje o nome
José, que tem versões correspondentes em várias das principais línguas faladas
no nosso tempo ao redor do mundo. Houve pelo menos quatro Pausânias “famosos”,
entre os provavelmente milhares que seriam chamados assim.
Um deles foi um general
espartano, que se tornou regente do reino rival de Atenas após a morte de
Leônidas I, na famosa batalha das Termópilas (480 a.C.) – aquela em que, com
apenas 400 combatentes, ele venceu volumoso pelotão do exército persa de Xerxes
I, com mais de 7 mil soldados – decidindo, praticamente, a favor dos gregos, a
Primeira Guerra Médica, vitória esta consumada em Maratona. Não é a este,
todavia, que me refiro. Outro Pausânias célebre foi um rei de Esparta, cujo
reinado foi de 409 a 395 a.C. Este, também, não tem nada a ver com o personagem
a que vou me referir na sequência. Um terceiro xará histórico foi o servo de
Felipe II da Macedônia, que fazia o papel simultâneo de amante desse rei, ao
qual, destaque-se, assassinou, em 336 a.C.
O “nosso” Pausânias é o
da Lídia, região em que nasceu e que hoje pertence ao território da Turquia.
Viveu em tempo muito mais recente do que seus três ilustres “xarás” que citei,
ou seja, no século II da nossa era, quando a Grécia já nem era mais uma
potência mundial, e nem mesmo uma nação independente, mas mera colônia do
Império Romano. Ainda assim, é considerado pelos estudiosos como um dos
maiores, senão o maior historiador das Olimpíadas da Antiguidade. É dele, por
exemplo, o relato do feito olímpico de Orsippus de Megara, aquele que foi o
primeiro atleta a vencer uma corrida pedestre correndo “peladão”. Nosso
Pausânias não testemunhou essa façanha. Nem poderia. Afinal, esse feito
olímpico aconteceu na 15ª Olimpíada, a de 720 a.C., cerca de 900 anos antes do
seu nascimento.
Muitos comparam-no a
bons jornalistas esportivos da atualidade, pela meticulosidade de suas
descrições, com detalhes técnicos das provas. Esse Pausânias descreveu dezenas
de Olimpíadas, todas com assombrosa objetividade. O curioso é que sequer era
historiador. Consagrou-se como geógrafo, cuja principal obra, constante das
melhores bibliotecas atuais ao redor do mundo, foi “Descrição da Grécia”, em
dez volumes. Nela abordou praticamente todos os aspectos – geográficos,
políticos, econômicos, sociais, históricos, sociais e culturais – dessa
magnífica civilização. E, ao contrário de outros tantos geógrafos e
historiadores, detalhou, também, as Olimpíadas com meticulosidade, reitero, de
se admirar.
“Comeu gato por lebre”?
Provavelmente sim! Era inevitável que o fizesse. Afinal, não testemunhou a
maioria das Olimpíadas. Esteve presente, só, em três ou quatro delas, se tanto.
Teve que confiar, pois, nas fontes que consultou, que podem ter sido (ou não,
sabe-se lá) poluídas e fantasiosas. Se foi o caso, no entanto, agiu assim com
tanto talento e tamanha competência que, ao ler suas descrições, não ousamos
duvidar nem mesmo de casos que em tudo parecem exagerados e fantasiosos e,
portanto, inverossímeis, para não dizer mentirosos.
Sobre a alegada
(tratemo-la de “suposta”) façanha do atleta “peladão”, Pausânias observou: “A
minha opinião é que, em Olímpia, ele (Orsippus) intencionalmente deixou seu
cinto deslizar, percebendo que um homem nu podia correr mais facilmente do que
um vestido”. Como se vê, além de
“repórter”, ele exerceu o papel simultâneo de comentarista, opinando sobre os
principais episódios que trouxe à baila. Quantas pessoas assistiam aos jogos em
Olímpia? Suponho que o mesmo tanto de espectadores, se não menos, do que o
número total de profissionais de imprensa que cobrem as Olimpíadas atuais do
Rio de Janeiro. Isso as mais concorridas. Os moradores de fora da Grécia só
ficavam sabendo dos resultados das competições meses, quando não anos, depois
da realização de cada edição dos Jogos. Que diferença para estes nossos tempos,
quando se espera um público potencial de pelo menos quatro bilhões de
“testemunhas” das disputas, dada a magia da televisão.
Esse mesmo Pausânias,
que “imortalizou” tantos campeões olímpicos, merece, demais, ser
“imortalizado”, por não permitir que um evento esportivo de tamanha relevância
caísse no esquecimento. Há outros historiadores dos Jogos, mas não conheço
nenhum que tenha sido tão detalhista e talentoso quanto o nosso eclético
personagem. Portanto: “honra ao mérito!”
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