Úteis e prazerosos
Pedro
J. Bondaczuk
Há dois grandes tipos
de leitura: os necessários, posto que nem sempre agradáveis, e os prazerosos,
que até são dispensáveis, mas com os quais, ainda assim, sempre aprendemos
alguma coisa. Há quem não goste de textos longos (a maioria não gosta), com
parágrafos massudos e páginas e mais páginas de extensão. Às vezes, porém,
estes é que são os melhores, mais claros, mais coloquiais (embora nem sempre).
Não há nenhuma receita
pronta para se redigir textos que sejam, simultaneamente, agradáveis e
necessários. Ou seja, prazerosos e úteis. Dificilmente alguém conseguirá
escrever um livro de filosofia, por exemplo, que seja acessível a todos e
atraia leitores dos mais diversos níveis de cultura, desde os apenas parcamente
alfabetizados, aos eruditos.
Trata-se de um assunto
específico, eivado de jargões que lhe são característicos e que muitas vezes
temos necessidade de ler, gostemos ou não, para complementar, por exemplo, o
perfil comportamental de algum dos nossos personagens. É leitura necessária,
portanto. Mas, salvo raras exceções, não é prazerosa. Poderia ser? Claro,
poderia. Aliás, deveria. Mas...
Seja, porém, qual for
nossa opção, se por assuntos e formas de expressão agradáveis ou se por temas
que raramente dêem prazer, embora pertinentes e necessários, não podemos,
jamais, em hipótese alguma, descambar para ambigüidades. O que escrevermos tem
que ser, SEMPRE, claro, objetivo e direto, rigorosamente exato em todos os
sentidos, sem o menor erro, quer de informação ou conceito, quer, e
principalmente, de linguagem (gramatical, semântico etc.etc.etc.).
Escrevi, há mais ou
menos dez anos, meio que em tom de desabafo, que existe pouca coisa no mundo
para o escritor que seja mais chata do que a necessidade de justificar o que
escreve. Aliás, essa chatice é extensiva a todas as atividades. Perde-se um
tempo imenso, e precioso, com justificativas, que não trazem qualquer proveito
a ninguém. Para quem escreve, isso se torna ainda mais penoso e aborrecido. Por
isso, o escritor tem que prevenir, ou melhor, evitar essa aborrecida situação.
A Literatura é, no que
diz respeito à produção, atividade rigorosamente solitária. É feita por uma
única pessoa e exclusivamente por ela. Nos momentos de apuro, não tem a quem
recorrer. Ou tem “garrafa para vender” ou corre o risco de resvalar para o
ridículo. Ela é que tem que “policiar” o que escreve. A ela compete não cometer
erros de conceito e muito menos de grafia, de gramática etc.
Por mais que tentemos
estabelecer diálogo com o leitor, nossos textos findarão por ser, sempre,
sempre e sempre, meros monólogos. Nunca saberemos se o que escrevemos será
interpretado exatamente como queremos. Aliás, raramente o é. É um risco que
teremos que correr. Daí a necessidade da absoluta clareza e a proibição de
ambigüidades.
Escrever é, mais ou
menos, o que o escritor Cesare Pavese concluiu acerca da poesia. Ele afirmou,
certa ocasião: “Fazer poesia é como fazer amor: nunca se saberá se a própria
alegria é compartilhada”. Redigir qualquer texto literário é mais ou menos
assim também.
Aceitei, há mais ou
menos uma década (e nem sei por que fiz isso) o desafio de virar a Literatura
pelo avesso. Ou seja, de dissecá-la e abordá-la em todos (ou quase todos) seus
aspectos. Minha intenção inicial era a de fazer dessas tantas considerações
mero bate-papo diário entre companheiros que exercem e amam a mesma atividade.
Ou seja, era para ser conversa descontraída, como as que temos uma vez ou outra
num botequim qualquer, regada, muitas vezes, a cerveja ou a uísque, dependendo
do gosto e, principalmente do bolso de cada um. Não visava, pois, pelo menos em
princípio, me aprofundar em nenhum aspecto específico da Literatura, até por
falta de tempo para a devida pesquisa.
Lá um certo dia,
entretanto, tive a infeliz idéia de tentar unir “o útil ao agradável”, pelo
menos na minha ótica pessoal. Cismei de abordar assuntos que julgava seriam de
grande valia notadamente para os aspirantes a escritores, já que sabia da alta
freqüência de estudantes de Letras e de Jornalismo nos espaços que disponho na
internet.
Foi a pior besteira que
cometi. Antes me limitasse ao bla-bla-blá vazio e sem conteúdo, como a
infinidade que há na rede mundial afora, embora “bonitinho” de se ler,
valendo-me do mesmo artifício de que muito pseudoliterato se vale. Ou seja, do
que costumo classificar de “pirotecnia verbal”. De textos muito bem escritos,
sonoros, atraentes, mas absolutamente sem conteúdo.
Prevaleceu, todavia,
meu lado de professor, que nunca me abandonou. Sem tempo para pesquisa,
baseado, apenas, na experiência pessoal e na memória (que amigos exagerados
classificam de “prodigiosa”), meti-me a abordar os mais variados aspectos dessa
complexa e decepcionante atividade, da qual sobrevivo, tendo o cuidado de não
deixar de comentar nada.
Ora, por mais que haja
coisas a escrever sobre Literatura, o tema não é inesgotável (nada é). Mesmo
que tivesse tempo para pesquisa (o que, reitero, não tenho), chegaria um
momento em que, fatalmente, precisaria me repetir. Para que vocês tenham uma
idéia das minhas dificuldades para ser minimamente original (e para que?!),
informo que apenas de março para cá, já redigi mais de 300 textos, todos
tratando de Literatura. Impressos, eles perfazem por volta de 700 páginas!!!
Apontem-me quem
consegue a façanha de escrever tudo isso, e reitero, sem tempo para pesquisar e
baseado exclusivamente na memória, sem se tornar, em dado momento, repetitivo!
Em que lugar vocês já viram isso? Quem foi o autor de tamanha (e hoje sinto que
inútil) empreitada e, ainda mais, tendo que, volta e meia, se explicar?
Continuarei, pois,
fazendo como faço ao escrever um conto, um poema, um romance ou uma crônica.
Farei tudo da minha maneira, como e quando quiser. E como acontece em relação
aos meus livros, também me submeterei ao veredito implacável do leitor. Mas sem
me explicar de novo, por nenhum motivo, a quem quer que seja.
Isso não quer dizer que
eu não esteja consciente de que nosso desafio é escrever, simultaneamente, algo
que as pessoas necessitem saber, mas de forma que o texto seja claro, atrativo,
gostoso e, sobretudo, acessível tanto ao físico nuclear, quanto ao engraxate da
porta da barbearia, que mal sabe soletrar as palavras que lê. Impossível? Não
diria tanto. Difícil? Sem dúvida alguma! Mas continuarei tentando, enquanto
contar com sua paciência (e complacência) querido leitor.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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