Diplomacia atravessa momento de ouro
Pedro J.
Bondaczuk
As agências noticiosas classificaram as discussões,
mantidas ontem, no Cremlin, entre a primeira-ministra britânica, Margaret
Thatcher, e o secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Mikhail
Gorbachev, como “vigorosas e francas, mas não hostis”.
Isso quer dizer que os dois
países apresentaram suas posições, antagônicas na maioria dos temas, com
clareza e até com paixão, mas não fecharam as portas para o entendimento. O
mundo diplomático vive, desde novembro de 1985, quando aconteceu, em Genebra, a
primeira reunião de cúpula entre as superpotências, um momento bastante
favorável ao diálogo.
E se nada de prático foi
conseguido, não se pode negar que desde então o mundo vive um clima pelo menos
mais respirável, no que diz respeito ao relacionamento Leste-Oeste. A pauta de
discussões entre ambos os líderes é das mais heterogêneas, indo desde temas que
sempre freqüentaram todos os debates entre o Oriente e o Ocidente, pelo menos
nesta década, tais como a intervenção soviética no Afeganistão e os direitos
humanos nesse país, até assuntos que surgiram após a visível e benfazeja
distensão que se verifica de um ano para cá.
O ponto central das divergências,
desta vez, não reside mais, como antigamente, na totalidade da agenda. Há
questões em que a diferença está somente no enfoque e na velocidade das
providências e não no conteúdo em si. Estes são os casos, por exemplo, da
presença russa em território afegão e do tratamento dispensado por Moscou a
seus dissidentes políticos.
O primeiro problema, como, aliás,
foi previsto por nós mesmos, em 27 de dezembro de 1979, quando da entrada dos
contingentes soviéticos no Afeganistão, é, para o Cremlin, o de mais difícil
solução.
Gorbachev tem reiterado o seu
desejo de retirar seus soldados de solo alheio. No entanto, a exemplo dos
norte-americanos no passado, no Vietnã (guardadas as devidas proporções), não
vem encontrando uma maneira de repatriar seus militares sem que isso dê uma
conotação de capitulação diante da guerrilha muçulmana local.
No início do corrente ano, as
autoridades marxistas de Cabul bem que tentaram um gesto conciliatório de boa
vontade para com os rebeldes, anunciando um cessar-fogo unilateral, que o atual
líder, Mohammed Najibulah, acreditava fosse contar com a imediata adesão da
guerrilha, armada e financiada pelos Estados Unidos, pelos países árabes e pelo
Paquistão. Mas ele enganou-se redondamente.
Os guerrilheiros aumentaram os
seus ataques e em menos de 15 dias, a trégua acabou indo para o espaço. Moscou
deseja a neutralização do Afeganistão antes de retirar as suas tropas de lá. O
Ocidente propõe que os soldados se retirem antes e depois se faça um plebiscito
para saber o que os afegãos de fato querem. Como se vê, os dois lados estão de
acordo quanto à desocupação. O difícil é saber o momento exato e em que
circunstâncias isso deva ocorrer.
O mesmo impasse acontece na
questão dos direitos humanos na União Soviética. O Cremlin pretende libertar,
até o fim de abril, cerca de 300 dos mais conhecidos dissidentes políticos. Mas
para Thatcher, Reagan e todo o mundo ocidental, isto não é suficiente. O que
eles defendem é que o Tratado de Helsinque, de 1976, que versa sobre o assunto,
seja respeitado. Ou seja, que Moscou acabe de vez com a prática de punir
aqueles que não rezem pelo catecismo marxista. Que solte todos os dois mil
prisioneiros de consciência que a Anistia Internacional garante existirem no
país e não volte a prender mais ninguém por esse motivo. Além disso, dê direito
a quem quiser de deixar a União Soviética e se fixar onde desejar viver.
Como se vê, barreiras existem e
não são das menores. Mas pelo menos agora não existe aquele clima de desafio e
de permanente ameaça mútua entre o Leste e o Oeste, os líderes dos dois blocos
já estão conseguindo discutir “vigorosa e francamente” suas controvérsias, cara
a cara, sem os odiosos recados pela imprensa que caracterizavam seu
relacionamento há apenas dois anos.
E quando seres humanos resolvem
negociar com seriedade, não há aquilo que não possa ser resolvido pelas vias
saudáveis e civilizadas da negociação. Por isso, a diplomacia, em seu
significado mais elevado, está vivendo, provavelmente, o seu momento de ouro
neste século, em que se dialogou tão pouco e se guerreou demasiadamente.
(Artigo publicado na
página 12, Internacional, do Correio Popular, em 31 de março de 1987).
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