Saturday, August 13, 2016

Diplomacia atravessa momento de ouro


Pedro J. Bondaczuk


As agências noticiosas classificaram as discussões, mantidas ontem, no Cremlin, entre a primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, e o secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, Mikhail Gorbachev, como “vigorosas e francas, mas não hostis”.

Isso quer dizer que os dois países apresentaram suas posições, antagônicas na maioria dos temas, com clareza e até com paixão, mas não fecharam as portas para o entendimento. O mundo diplomático vive, desde novembro de 1985, quando aconteceu, em Genebra, a primeira reunião de cúpula entre as superpotências, um momento bastante favorável ao diálogo.

E se nada de prático foi conseguido, não se pode negar que desde então o mundo vive um clima pelo menos mais respirável, no que diz respeito ao relacionamento Leste-Oeste. A pauta de discussões entre ambos os líderes é das mais heterogêneas, indo desde temas que sempre freqüentaram todos os debates entre o Oriente e o Ocidente, pelo menos nesta década, tais como a intervenção soviética no Afeganistão e os direitos humanos nesse país, até assuntos que surgiram após a visível e benfazeja distensão que se verifica de um ano para cá.

O ponto central das divergências, desta vez, não reside mais, como antigamente, na totalidade da agenda. Há questões em que a diferença está somente no enfoque e na velocidade das providências e não no conteúdo em si. Estes são os casos, por exemplo, da presença russa em território afegão e do tratamento dispensado por Moscou a seus dissidentes políticos.

O primeiro problema, como, aliás, foi previsto por nós mesmos, em 27 de dezembro de 1979, quando da entrada dos contingentes soviéticos no Afeganistão, é, para o Cremlin, o de mais difícil solução.

Gorbachev tem reiterado o seu desejo de retirar seus soldados de solo alheio. No entanto, a exemplo dos norte-americanos no passado, no Vietnã (guardadas as devidas proporções), não vem encontrando uma maneira de repatriar seus militares sem que isso dê uma conotação de capitulação diante da guerrilha muçulmana local.

No início do corrente ano, as autoridades marxistas de Cabul bem que tentaram um gesto conciliatório de boa vontade para com os rebeldes, anunciando um cessar-fogo unilateral, que o atual líder, Mohammed Najibulah, acreditava fosse contar com a imediata adesão da guerrilha, armada e financiada pelos Estados Unidos, pelos países árabes e pelo Paquistão. Mas ele enganou-se redondamente.

Os guerrilheiros aumentaram os seus ataques e em menos de 15 dias, a trégua acabou indo para o espaço. Moscou deseja a neutralização do Afeganistão antes de retirar as suas tropas de lá. O Ocidente propõe que os soldados se retirem antes e depois se faça um plebiscito para saber o que os afegãos de fato querem. Como se vê, os dois lados estão de acordo quanto à desocupação. O difícil é saber o momento exato e em que circunstâncias isso deva ocorrer.

O mesmo impasse acontece na questão dos direitos humanos na União Soviética. O Cremlin pretende libertar, até o fim de abril, cerca de 300 dos mais conhecidos dissidentes políticos. Mas para Thatcher, Reagan e todo o mundo ocidental, isto não é suficiente. O que eles defendem é que o Tratado de Helsinque, de 1976, que versa sobre o assunto, seja respeitado. Ou seja, que Moscou acabe de vez com a prática de punir aqueles que não rezem pelo catecismo marxista. Que solte todos os dois mil prisioneiros de consciência que a Anistia Internacional garante existirem no país e não volte a prender mais ninguém por esse motivo. Além disso, dê direito a quem quiser de deixar a União Soviética e se fixar onde desejar viver.

Como se vê, barreiras existem e não são das menores. Mas pelo menos agora não existe aquele clima de desafio e de permanente ameaça mútua entre o Leste e o Oeste, os líderes dos dois blocos já estão conseguindo discutir “vigorosa e francamente” suas controvérsias, cara a cara, sem os odiosos recados pela imprensa que caracterizavam seu relacionamento há apenas dois anos.

E quando seres humanos resolvem negociar com seriedade, não há aquilo que não possa ser resolvido pelas vias saudáveis e civilizadas da negociação. Por isso, a diplomacia, em seu significado mais elevado, está vivendo, provavelmente, o seu momento de ouro neste século, em que se dialogou tão pouco e se guerreou demasiadamente.     


(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 31 de março de 1987).

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: