Um
campeão de boxe que nunca bateu e nem apanhou de ninguém
Pedro
J. Bondaczuk
Como você avaliaria um
pugilista que, por convicção pessoal, jamais aplicou um único golpe em qualquer
adversário e que se limitava a se defender nas lutas, embora com rara
eficiência? A lógica diz que não iria longe. Quando muito, lutaria umas quatro
ou cinco vezes antes de desistir da carreira, após ser nocauteado
sucessivamente, certo? Em condições normais, sim. Mas não no caso de um
histórico campeão olímpico de boxe. Que fique claro que quando falo em defesa
eficiente não me refiro ao lendário Muhammad Ali, que conquistou a medalha de
ouro nas Olimpíadas de 1960, em Roma. É certo que essa “montanha de músculos”
tinha um jogo de pernas excepcional. Bailava ao redor dos adversários na maior
parte das lutas sem ser acertado por eles, já que, além disso, era insuperável
nas esquivas. Enlouquecia os adversários. Sony Liston que o diga.
Todavia, Muhammad Ali
não se limitava a se defender. Golpeava, e golpeava muito, após cansar os
adversários, com incrível potência e precisão, fazendo-os beijarem a lona na maior
parte dos combates. Já nosso personagem... jamais bateu em ninguém. E, ainda
assim, fez uma carreira invicta, sem nunca haver empastado, e muito menos
perdido qualquer luta. “Mas como?!”, perguntará, admirado, o leitor, duvidando
deste que lhes escreve. Aliás, foi justamente sem nunca perder um combate e
ainda assim jamais aplicar um único golpe nos antagonistas que ele entrou para
a história do esporte. Sabem quem foi esse fenômeno? Foi um tal de Melankomas
de Caria. Seu maior feito foi o de vencer a disputa do pugilismo nas 207ªs Olimpíadas, as de 49 d.C. Quem o imortalizou foi o
historiador grego Dion Crisóstomo, contemporâneo dele, que acompanhou sua
carreira, que tratou com detalhes desse personagem em sua obra “Discursos”.
Melankomas (cujo nome significava,
por motivos óbvios, “cabelos negros”), era natural da cidade de Caria, que
ficava numa região que atualmente integra o território da Turquia. Observo que,
embora não tenha dado um único golpe em qualquer adversário, jamais foi
golpeado por qualquer deles. Fico me perguntando: “que raios de lutas eram
aquelas em que ninguém batia em ninguém, numa modalidade caracterizada,
justamente, por pancadas?”. Dion Crisóstomo esclarece isso (não necessariamente
com estas mesmas palavras): “Seu estilo
de boxe envolvia se defender dos golpes do outro boxeador, e nunca tentar
golpear o outro homem. Invariavelmente, o adversário ficava frustrado e perdia
a compostura”.
Ou seja, “apelava”, ou,
na maior parte dos casos, desistia da luta. Assim, Melankomas era declarado
vencedor, somando pontos, no quesito “defesa”, sem precisar bater em ninguém e,
claro, também sem apanhar de quem quer que fosse. Pelas regras vigentes hoje,
isso seria impossível. Mas, naquele tempo, não era “ilegal”. Fazia parte da
regra. E Crisóstomo prossegue: “Este estilo único ganhou muita admiração por
sua força e resistência. Ele podia, aparentemente, durar o dia inteiro desse
modo, mesmo no auge do verão, e se recusava a atacar os adversários, mesmo
sabendo que ao fazer isso iria acabar rapidamente com o combate e garantir
vitória fácil”. Diz-se que sua agilidade era excepcional, de fazer inveja ao
também lendário Muhammad Ali. Podia passar horas bailando ao redor dos
adversários, sem se cansar. Mas estes se cansavam. E, invariavelmente, desistiam
da luta. Esclareça-se que, na época, os combates não tinham limite de tempo.
Duravam até que alguém fosse derrotado ou que desistisse de lutar. Podiam durar
horas ou, até mesmo, um dia inteiro.
Outra característica de
Melankomas, citada por Dion Crisóstomo, era sua “beleza física”. A constatação
foi feita pelo historiador. Não tenho nada com isso. Presume-se que as mais
belas mulheres da época o requisitassem, para se tornarem suas esposas ou para
outro tipo qualquer de relacionamento afetivo. Todavia, tornou-se amante,
pasmem, do imperador Tito, que se apaixonou por ele e o levou para Roma. O caso
deu o que falar na época, na capital do Império Romano. Pudera! Porém deve-se
ter em conta que o homossexualismo era bastante comum então, notadamente entre
a elite da maior superpotência do passado. Esse “delicado” campeão olímpico
morreu muito jovem, com pouco mais de vinte anos de idade, na cidade de
Nápoles, de causa desconhecida. Aliás, morreu na véspera de uma importante
competição. Suas últimas palavras, no leito de morte, segundo testemunhas,
teriam sido: “Quanto tempo falta para a minha luta?”. Ou seja, mesmo moribundo,
tinha esperanças de lutar.
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