Monday, August 08, 2016

Um campeão de boxe que nunca bateu e nem apanhou de ninguém

Pedro J. Bondaczuk

Como você avaliaria um pugilista que, por convicção pessoal, jamais aplicou um único golpe em qualquer adversário e que se limitava a se defender nas lutas, embora com rara eficiência? A lógica diz que não iria longe. Quando muito, lutaria umas quatro ou cinco vezes antes de desistir da carreira, após ser nocauteado sucessivamente, certo? Em condições normais, sim. Mas não no caso de um histórico campeão olímpico de boxe. Que fique claro que quando falo em defesa eficiente não me refiro ao lendário Muhammad Ali, que conquistou a medalha de ouro nas Olimpíadas de 1960, em Roma. É certo que essa “montanha de músculos” tinha um jogo de pernas excepcional. Bailava ao redor dos adversários na maior parte das lutas sem ser acertado por eles, já que, além disso, era insuperável nas esquivas. Enlouquecia os adversários. Sony Liston que o diga.

Todavia, Muhammad Ali não se limitava a se defender. Golpeava, e golpeava muito, após cansar os adversários, com incrível potência e precisão, fazendo-os beijarem a lona na maior parte dos combates. Já nosso personagem... jamais bateu em ninguém. E, ainda assim, fez uma carreira invicta, sem nunca haver empastado, e muito menos perdido qualquer luta. “Mas como?!”, perguntará, admirado, o leitor, duvidando deste que lhes escreve. Aliás, foi justamente sem nunca perder um combate e ainda assim jamais aplicar um único golpe nos antagonistas que ele entrou para a história do esporte. Sabem quem foi esse fenômeno? Foi um tal de Melankomas de Caria. Seu maior feito foi o de vencer a disputa do pugilismo nas 207ªs  Olimpíadas, as  de 49 d.C. Quem o imortalizou foi o historiador grego Dion Crisóstomo, contemporâneo dele, que acompanhou sua carreira, que tratou com detalhes desse personagem em sua obra “Discursos”.

Melankomas (cujo nome significava, por motivos óbvios, “cabelos negros”), era natural da cidade de Caria, que ficava numa região que atualmente integra o território da Turquia. Observo que, embora não tenha dado um único golpe em qualquer adversário, jamais foi golpeado por qualquer deles. Fico me perguntando: “que raios de lutas eram aquelas em que ninguém batia em ninguém, numa modalidade caracterizada, justamente, por pancadas?”. Dion Crisóstomo esclarece isso (não necessariamente com estas mesmas palavras):  “Seu estilo de boxe envolvia se defender dos golpes do outro boxeador, e nunca tentar golpear o outro homem. Invariavelmente, o adversário ficava frustrado e perdia a compostura”.

Ou seja, “apelava”, ou, na maior parte dos casos, desistia da luta. Assim, Melankomas era declarado vencedor, somando pontos, no quesito “defesa”, sem precisar bater em ninguém e, claro, também sem apanhar de quem quer que fosse. Pelas regras vigentes hoje, isso seria impossível. Mas, naquele tempo, não era “ilegal”. Fazia parte da regra. E Crisóstomo prossegue: “Este estilo único ganhou muita admiração por sua força e resistência. Ele podia, aparentemente, durar o dia inteiro desse modo, mesmo no auge do verão, e se recusava a atacar os adversários, mesmo sabendo que ao fazer isso iria acabar rapidamente com o combate e garantir vitória fácil”. Diz-se que sua agilidade era excepcional, de fazer inveja ao também lendário Muhammad Ali. Podia passar horas bailando ao redor dos adversários, sem se cansar. Mas estes se cansavam. E, invariavelmente, desistiam da luta. Esclareça-se que, na época, os combates não tinham limite de tempo. Duravam até que alguém fosse derrotado ou que desistisse de lutar. Podiam durar horas ou, até mesmo, um dia inteiro.

Outra característica de Melankomas, citada por Dion Crisóstomo, era sua “beleza física”. A constatação foi feita pelo historiador. Não tenho nada com isso. Presume-se que as mais belas mulheres da época o requisitassem, para se tornarem suas esposas ou para outro tipo qualquer de relacionamento afetivo. Todavia, tornou-se amante, pasmem, do imperador Tito, que se apaixonou por ele e o levou para Roma. O caso deu o que falar na época, na capital do Império Romano. Pudera! Porém deve-se ter em conta que o homossexualismo era bastante comum então, notadamente entre a elite da maior superpotência do passado. Esse “delicado” campeão olímpico morreu muito jovem, com pouco mais de vinte anos de idade, na cidade de Nápoles, de causa desconhecida. Aliás, morreu na véspera de uma importante competição. Suas últimas palavras, no leito de morte, segundo testemunhas, teriam sido: “Quanto tempo falta para a minha luta?”. Ou seja, mesmo moribundo, tinha esperanças de lutar.


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk 

No comments: