Saturday, August 20, 2016

Válvulas de escape


Pedro J. Bondaczuk


As transformações encabeçadas pelo presidente soviético, Mikhail Gorbachev, por enquanto atingiram somente a três países do Leste da Europa: a própria URSS, a Polônia e a Hungria. Os outros quatro, Checoslováquia, Romênia, Bulgária e Alemanha Oriental, teimam em manter um centralismo visivelmente falido, em termos de economia, e um sistema monopartidário claramente ultrapassado, em política.

Por isso, seguem na contramão da história, aumentando a frustração e os sofrimentos de seus respectivos povos e alimentando os terríveis monstros do descontentamento e até do desespero, para o futuro. Podem, portanto, ser devorados por eles. Impedem, com isso, que as indispensáveis transformações aconteçam sem traumas e sem violências. Sem que no futuro precisem lançar mão do expediente utilizado pelos chineses, que não souberam administrar o processo liberalizante e tiveram que apelar para os tanques e a truculência, responsáveis pelo lamentável e criminoso banho de sangue na Praça da Paz Celestial.

É evidente que mudanças, como as que estão ocorrendo na União Soviética, Polônia e Hungria, nem sempre tendem a ser pacíficas. Afinal, esses povos tiveram que amargar anos e mais anos de frustrações, de prepotência e de repressão. Precisaram recalcar seus sentimentos e anseios de liberdade, represados ao longo de décadas e mais décadas.

Gerações foram criadas sob um sistema truculento, que punia, com severidade, os que não lessem pela sua cartilha. Por isso, Gorbachev tem mostrado uma exemplar serenidade diante de distúrbios de caráter étnico, de greves devastadoras e de contestações de toda a sorte em seu país.

Ele sabe que é preciso abrir as válvulas para liberar o excesso de pressão acumulado durante tanto tempo, sob o risco da "caldeira" vir a explodir, numa reação caótica, que destruiria, fatalmente, a federação soviética. Daí a sua paciência, ou estratégia.

O chefe do Cremlin, por exemplo, acaba de passar em outro teste, ao não fazer ameaças e nem reprimendas à Polônia, que entregou a chefia de um governo a um primeiro-ministro não comunista, fato que ocorre pela primeira vez no pós-guerra na "galáxia" que orbita em torno de Moscou.

É verdade que ele recebeu garantias de que os poloneses não deixariam o Pacto de Varsóvia. Mas de qualquer forma, o presidente soviético agiu, na prática, de uma maneira que seus antecessores sempre pregaram, quando se tratava de "feudos" alheios, mas que nunca empregaram no seu próprio: não interferiu (pelo menos de forma ostensiva) nos assuntos internos de outra nação. Mesmo que esta fosse um simples "satélite" seu.

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 22 de agosto de 1989).


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