Pugilista cujo recorde
jamais foi igualado
Pedro
J. Bondaczuk
Ao nos referirmos a
recordes olímpicos (e não importa em que modalidade) pensamos, de imediato, e
exclusivamente, nos que foram estabelecidos nos Jogos da era moderna. Ou seja,
nos que começaram a ser disputados no final do século XIX, em 1896, em Atenas.
É fato que existem pouquíssimos registros das Olimpíadas da Antiguidade. E
poucas pessoas têm acesso a eles, o que dificulta ainda mais o conhecimento de
atletas notáveis, mas que estão completamente esquecidos, como se nem mesmo
tivessem existido.
Outro fato é que há um
único recorde estabelecido na Grécia Antiga que não foi batido até hoje, a
despeito de todas as facilidades que os competidores atuais têm e que os
antigos nem sonhavam ter. Há toda uma ciência, hoje, em torno dos atletas que
vai desde uma alimentação perfeita e balanceada, até equipamentos esportivos
planejados e construídos para possibilitar o máximo de eficiência dos
esportistas de ponta. Isso sem falar nos “milagres” da Medicina e nem das
sofisticadas técnicas de treinamento que nunca passaram nas cogitações mais
fantasiosas dos antigos.
Pois é, com tudo isso a
favor dos esportistas contemporâneos, há um recorde olímpico – embora em uma
única das três modalidades que “sobreviveram” nos dias atuais – que ninguém, a
despeito dos recursos e facilidades existentes hoje, das que citei, conseguiu
quebrar. Trata-se do número de títulos obtidos no boxe. Esse esporte demorou
quase um século para se tornar olímpico. A primeira competição da modalidade
foi disputada em 688 a.C., na 23ª Olimpíada. Foi aí que o pugilista Onomastus
de Esmirna começou a fazer história. Ele não somente foi o grande campeão, como
sugeriu (e foi acatado) as regras desse esporte que são, com uma adaptação ou
outra, respeitadas até hoje, 2400 anos depois. Só isso já seria suficiente para
imortalizá-lo como herói olímpico.
Todavia, a façanha de
Onomastus não se limitou a isso. Foi maior, muito maior. Ele ganhou, também, as
três Olimpíadas posteriores, colecionando, portanto, quatro títulos olímpicos.
Foram dezesseis anos de incontestável (e insuperável) hegemonia. E só não
acumulou um quinto título por causa da idade, que impediu que disputasse mais
Jogos Olímpicos. Sabem, leitores, o que é mais notável de tudo? Passados quase
2400 anos, ninguém sequer chegou perto do seu recorde, quer na Antiguidade,
quer nos tempos atuais. E olhem que tivemos pugilistas notáveis, entre os quais
o extraordinário Muhammad Ali. A maioria, no entanto, limitou-se a um único
título. Ainda assim foi “mitificada”.
Quem mais se aproximou
do feito de Onomastus foi o húngaro Laszlo Papp, o maior pugilista amador do
século XX, campeão olímpico de boxe em três Olimpíadas consecutivas: as de
Londres (1948), Helsinque (1952) e Melbourne, na Austrália (1956). Salvo imensa
surpresa, é provável que em tempo algum ninguém conseguirá nem mesmo se
aproximar, e muito menos superar, a façanha do pugilista magiar. E muito menos,
por conseqüência, a de Onomastus, claro. O recorde do atleta grego
provavelmente permanecerá como inatingível desafio gerações afora, enquanto as
Olimpíadas existirem.
A história, porém, é
crudelíssima com ele. Registra o feito notável desse maior recordista do boxe
de todos os tempos, mas omite dados triviais a respeito de sua vida. Se teve
algum biógrafo (e suponho que teve, e mais de um), nenhuma biografia dele
“sobreviveu”. Só se sabe desse atleta, além de suas quatro vitórias olímpicas e
de que foi o criador das regras seguidas até hoje em sua modalidade, a cidade
em que nasceu: Esmirna. É só!! Não há absolutamente nada mais!
Nenhum historiador
informa, por exemplo, as datas de nascimento e de morte de Onomastus, o que ele
fez na vida (além de praticar seu esporte), enfim, como viveu e o que fez fora
do pugilismo. E ele ainda assim teve muita sorte em relação a tantos outros
(sem exagero, milhões) – e não somente esportistas – que nem mesmo têm sequer o
nome lembrado, embora vivessem, amassem, odiassem, fossem felizes, infelizes
etc.etc.etc. e que mesmo sendo importantes em seu tempo, para nós, pessoas do
século XXI, “nunca existiram”, por não haver o menor vestígio de sua passagem
pela Terra. Fico perguntando, cá aos meus botões: quantos de nós deixaremos o
mínimo rastro para a posteridade, para os que viverem, por exemplo, em 2116,
2216, 2316 e vai por aí afora (isso, claro, se o suposto Homo Sapiens não destruir
antes este nosso pequeno e frágil Planeta, o que é impossível de assegurar) de
quem somos, do que queremos e do que fizemos? Sim, leitor: quantos?
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