Intolerância
abala até a fé
Pedro J. Bondaczuk
A tradição islâmica ensejou a criação de um ditado
célebre que diz: “Todos os caminhos conduzem a Meca”, significando que essa
cidade saudita, próxima às margens do Mar Vermelho, é o principal pólo de atração
dos fiéis muçulmanos.
Desde ontem (intensificando-se no dia de hoje),
milhares de peregrinos do mundo todo iniciam a sua romaria anual àquele lugar
tão sagrado para um bilhão de pessoas. Os fiéis cumprem um dos desígnios do
Alcorão, a Bíblia do Islã, que preceitua essa visita anual.
Os peregrinos partem, movidos pela fé, para a visita
à grande mesquita de Al Harã, onde se localiza a Caaba, o lugar mais sagrado e
venerado pelos muçulmanos. A peregrinação a Meca, neste ano, contudo, apresenta
alguns aspectos um tanto diferentes das de outras épocas, em virtude do
agravamento do conflito entre o Irã e o Iraque, que ameaça, cada vez mais, se
expandir por todo o Golfo Pérsico, Estreito de Aden, Mar Vermelho e Zona do
Canal de Suez.
Pelo ar, os peregrinos correm o risco de se tornarem
reféns de fanáticos, como ocorreu com os passageiros do Airbus da Iran Air,
anteontem à noite. Pelas águas, têm, diante de si, um Mar Vermelho minado, por
obra e graça de algum líder militar maluco, que não tem a mínima noção das conseqüências
que o seu ato criminoso pode causar. E, por terra, os obstáculos passam a ser
as estradas cada vez mais inseguras e congestionadas.
Em resumo, a intolerância e o fanatismo ideológico
chegaram a tal ponto, que nem mesmo a fé é, mais, respeitada, cedendo lugar ao
ódio exacerbado e ao ânimo irascível, sempre mau conselheiro, conforme já
advertia o sábio rei Salomão, há mais de dois milênios.
Líderes fanáticos tentam construir sociedades
retrógradas, onde a religião não passa de mero instrumento de proselitismo
político, de uma arma poderosa para, através do medo, a manutenção ilegítima do
poder por parte de quem não está preparado para o seu exercício.
Pobre do homem que acaba perdendo a fé e passa a
confiar, apenas, no argumento da força bruta. Infeliz daquele que leva sua
paranóia a ponto de se esquecer que é mortal, frágil, transitório e passageiro.
De não atentar para o fato de que apenas as obras (e mais do que elas, as
idéias construtivas que as ensejam) sobrevivem ao tempo e à aniquilação física.
Felizmente ainda existem pessoas fiéis, que crêem em
uma força ou entidade superior (não importa a sua religião ou o seu Deus) e que
cultivam a solidariedade. Estes são seres muito, muito especiais,
especialíssimos, as esperanças de que um dia seja erigido um mundo melhor, sem
violências e intolerância.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do
Correio Popular, em 9 de agosto de 1984)
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