Enredo em que o cólera
põe fim a uma “guerra de santos”
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor siciliano
Giovanni Carmelo Verga, considerado um dos criadores do Verismo – escola
realista surgida na literatura italiana no fim do século XIX – legou à
posteridade pelo menos 13 romances e 31 novelas, muitos dos quais obras-primas
literárias (quer na forma e quer, sobretudo, no conteúdo) – respeitado não
somente na ilha em que nasceu, mas em toda a Itália. Tanto que, no final da
vida, seu prestígio e sua projeção intelectual eram tamanhos, que chegou a ser
nomeado para integrar o Senado italiano. Muita gente, quando se menciona a
Sicília, pensa de imediato na Máfia e nos males que essa organização criminosa
já causou e continua causando, como se fosse a única coisa que a caracteriza.
Não é!!! Claro que isso é fruto da mais ostensiva desinformação.
Em tempos mais remotos,
a ilha foi o berço natal de magníficos filósofos e extraordinários poetas. Ali
nasceram, também, extraordinários escritores, entre os quais dois ganhadores de
Prêmio Nobel de Literatura. A Sicília, além do mais, é a terra natal, por
exemplo, de Vitaliano Brancati, Salvatore Quasimodo, Luigi Capuana, Luigi Pirandello,
Leonardo Sciascia, Gesualdo Bufalino, Giuseppe Tomasi di Lampedusa, Andrea
Camilleri e... óbvio, de Giovanni Verga. Como se vê, a ilha foi berço de
escritores geniais em quantidade maior do que muitos países com grande tradição
literária. Quem conhece, mesmo que superficialmente, a Literatura italiana,
sabe da importância desses autores que citei.
Alguns livros de
Giovanni Verga são tidos e havidos pelos mais renomados críticos literários da
Europa como obras-primas. Estão neste caso, apenas para citar alguns, os
romances “I Malavoglia” e “Mastro Dom Gesualdo” e a coletânea de oito histórias
curtas reunidas no volume “A vida nos campos”, que tenho em mãos, em sua versão
em espanhol. Dos oito contos deste livro, um interessa-me em particular, embora
os outros sete sejam todos deliciosos, carregados de verdade e de humor. É o
intitulado “Guerra de santos”, em que Verga cita uma epidemia de cólera como
pano de fundo do enredo. A história é ambientada em um pequeno povoado da
Itália, dos tantos que há por lá. Nele, os moradores estão divididos em duas
facções rivais, inimigas inconciliáveis.
Um desses bandos é do
bairro alto do vilarejo que tem, como padroeiro, São Roque. E o outro, por
conseqüência, é do bairro baixo, que defende com paixão São Pascual, não
admitindo outra devoção tão absoluta. Os dois grupos, não apenas rivais, mas
inimigos jurados, não escolhem ocasiões para se confrontarem. Basta que se
cruzem para se hostilizarem e se agredirem mutuamente, em conflitos que se
repetem com assustadora freqüência. Tudo começa com um bando exaltando os
méritos de seu padroeiro e depreciando o patrono dos rivais nas periódicas
procissões que promovem. Daí para a pancadaria explícita é questão de mera
piscada. Das palavras, passam aos gestos ofensivos e destes para pancadaria
generalizada explícita é coisa de minutos. E lá se vão as dissoluções de
procissões, a poder de socos e de pontapés mútuos. É o fanatismo religioso
(religioso?!) elevado à enésima potência.
Mas Verga “apimenta”
ainda mais uma história já por si só “ardida”. Traz à baila um casal de
namorados que não consegue se entender por causa dessa “guerra dos santos”.
Sarrida, a donzela, é adepta de São Roque e Turi, seu guapo pretendente, de São
Pascual. Nenhum dos dois está disposto a abrir mão de suas convicções e assim o
relacionamento não prospera. Fica próximo da ruptura definitiva. Bem, leitor,
adianto que os dois pombinhos acabam se reconciliando, mas, para isso, foram
necessárias duas desgraças juntas que assolaram o vilarejo: uma severíssima
seca e uma não menos perversa epidemia de cólera. As circunstâncias obrigaram
os dois bandos a unirem forças e a rogarem os préstimos dos respectivos
padroeiros, mas juntos, para ampliar a força da intercessão. Dessa forma, o
casalzinho apaixonado se reconcilia e ocorre, enfim, o esperado “happy end”. E
tudo isso é narrado com muita graça e muito humor por um perito no manejo da
palavra.
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