Gorbachev atua dentro da lei
Pedro J. Bondaczuk
O
uso dos poderes extraordinários que lhe foram conferidos pelo Soviete Supremo,
por parte do presidente soviético, Mikhail Gorbachev, para a implantação de
suas reformas, vem sendo encarado como um retrocesso político, tanto no
Ocidente, quanto dentro da própria URSS.
A
intervenção do governo central no sistema de segurança de Moscou, por exemplo,
está sendo encarado como um ato truculento, de força, não condizente com a
democracia que o líder tanto apregoa. Todavia, sua ação está rigorosamente
fundamentada na legislação existente. Se a lei é ruim, ela que seja mudada por
aqueles a quem compete tal tarefa. O que não se admite num Estado de Direito é
o seu desrespeito ou o cerceamento de sua aplicação. Se ela for burlada,
impunemente, estará sendo implantada não a democracia, mas a anarquia, no
sentido mais pejorativo do termo.
Além
do equívoco de se pensar que o objetivo de Gorbachev é o de ser o coveiro do
socialismo, persiste um outro, que acha que a liberdade individual é a
liberação geral para que os cidadãos façam o que quiserem, mesmo que seus atos
atinjam direitos alheios.
A
"perestroika" foi inspirada num outro projeto liberalizante,
tragicamente esmagado pelos tanques soviéticos em setembro de 1968 igualmente
fundamentado no Estado de Direito. Trata-se do que se convencionou chamar de
"Primavera de Praga", encabeçada pelo então líder checo e atual
presidente do Parlamento da Checoslováquia, Alexander Dubcek. Ou seja, "o
socialismo com face humana".
O
programa de Gorbachev, porém, em virtude de diversas circunstâncias, as quais
convém analisar oportunamente, é um projeto muito mais ousado e até mesmo
temerário. Chega a ser extremamente ambicioso. Não tem como meta a mera
substituição dos ideais socialistas pelo capitalismo, como o conhecemos hoje.
Pretende, sim, incorporar fundamentos capitalistas, como o mercado livre. Mas
em momento algum admite abrir mão da justiça social, autêntica, e não a
apregoada e jamais praticada pelos cardeais do Partido Comunista.
O
que Gorbachev entendeu bem foi o fato de que, embora o seu país esteja ameaçado
por uma crise como jamais teve em toda a sua história, precisa implantar sua
reforma gradualmente, no tempo e nas circunstâncias exatos, para não arruinar
as poucas conquistas que os soviéticos empreenderam nas últimas sete décadas.
Economistas
lúcidos do Ocidente, aqueles que já se livraram dos chavões e estereótipos da
"guerra fria", indiretamente defendem essa atitude de prudência na
implantação de um mercado livre. Um deles é John Kenneth Galbraith, que num
artigo publicado recentemente, assinalou: "Num sentido real, tanto a Leste
como a Oeste, nossa tarefa é a mesma: buscar e descobrir o sistema que combine
o melhor da ação motivada pelo mercado e pelo social". E mais adiante
observa: "A volta à atividade produtiva normal na Europa Ocidental depois
da Segunda Guerra Mundial, uma tarefa menos complexa do que aquela enfrentada
pelo Leste europeu e União Soviética, consumiu a maior parte da década. Na
Grã-Bretanha levou cerca de sete anos até que a libra fosse uma moeda
totalmente conversível, e o racionamento de alimentos e controle de preços
associados foram igualmente prolongados".
Cobrar,
portanto, urgência de Gorbachev na implantação das suas reformas é pretender
induzir a superpotência do Leste ao suicídio, à sua autofagia.
(Artigo
publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 28 de março de
1991).
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