Saturday, August 13, 2016

Questão subjetiva


Pedro J. Bondaczuk


Um dos maiores problemas enfrentados pelos profissionais do texto (incluindo, aqui, e diria que “principalmente”, o escritor) é a maneira como quem lê interpreta o que escreveram. Muitas vezes você defende determinada tese e o leitor entende que a atacou e vice-versa. Na maior parte desses casos, o fato se deve à falta de clareza do redator. No entanto... nem sempre.

Há casos em que você é conciso, direto, claro e objetivo e ainda assim lhe atribuem intenções que você, na verdade, nunca teve. Não há como evitar. É um dos riscos que você corre ao partilhar pensamentos, sentimentos e, sobretudo, opiniões, com pessoas que você não conhece (e que provavelmente jamais conhecerá). Na maior parte das vezes, essa interpretação equivocada não lhe traz nenhum prejuízo (a não ser um ou outro pequeno aborrecimento). Contudo... há ocasiões em que isso se torna grave, gravíssimo.

Farei com vocês uma pequena provocação intelectual. Responda, sem precisar justificar: quem, no seu entender, foi melhor escritor,  Leon Tolstoi ou Fedor Dostoievski? Estendo a pergunta para o plano local. Qual, a seu critério, é o melhor romancista brasileiro de todos os tempos, Machado de Assis ou Guimarães Rosa? Acho uma covardia esse tipo de pergunta. Em Literatura, considerando os nomes mais representativos e consagrados dessa nobre atividade, não há esse negócio de “melhor” e  “pior”. Cada qual tem lá seus méritos e seus deméritos. Ademais, depende do gosto de quem julga. E este não se discute. O que há é escritor bom (criativo, original, de estilo atrativo e perito no manejo do idioma)  e escritor ruim (que não dispõe de nenhuma dessas virtudes). E este último, salvo raríssimo acaso, é logo esquecido e não “emplaca” seu nome e nenhum livro para posteridade. É verdade que muitos bons também findam por serem esquecidos. Mas... Deixa pra lá!

O jornal Folha de S. Paulo, mais especificamente seu caderno “Mais!”, em uma edição especial que circulou, se não me engano, em dezembro de 1999 (lá se vão bons dezesseis anos e cinco meses), fez uma enquete com vários intelectuais conhecidos (e respeitados por sua vasta cultura, notadamente a literária). Perguntou-lhes quais eram, no seu entender, os dez livros mais marcantes de todos os tempos. Como seria de se esperar, não houve consenso a propósito (e nem poderia haver, óbvio).

Foram relacionadas diversas listas, uma de cada consultado. Raros foram os livros que apareceram em todas as relações. Dos que foram citados, nenhum merece a menor restrição. Todos são obras consagradas, hoje tidas e havidas como clássicos da literatura mundial. O que me chamou a atenção não foram os livros mencionados, mas os omitidos.

Milhares e milhares deles foram esquecidos por parte dos pesquisados. E tenho absoluta certeza que, tão logo a edição especial foi publicada, os que participaram dela se deram conta da omissão e ficaram aflitíssimos por isso. Fosse feita uma relação pelo menos minimamente justa, dos livros que mereceriam destaque nessa pesquisa, o caderno “Mais!” circularia com milhares e milhares de páginas o que, óbvio, seria absolutamente inviável.

Entendam, não estou criticando a referida enquete, embora não veja nenhuma utilidade dela. Eu não a faria. Estou apenas demonstrando os riscos de se utilizar os adjetivos “melhor” ou “pior” para avaliar livros (e seus autores, claro). Por várias razões, sou visceralmente contrário a esse tipo de enquête. Creio que elas nada acrescentam à cultura literária e apenas geram controvérsias. Claro que em papos informais, em mesas de botequim, esse assunto rende magníficas discussões, regadas a chope bem gelado acompanhado de tira-gostos. Mas jamais se chegará a uma conclusão objetiva, consensual e minimamente justa.

A utilidade prática, portanto, desse tipo de consulta é zero. E é bom que assim seja. Como curiosidade... vá lá... Mas... Afinal, quem sabe o seu livro, caríssimo escritor que acompanha atentamente esse meu bla-bla-blá, não mereça (ou não venha a merecer algum dia) constar de alguma lista dos melhores e não conste de nenhuma? E você, certamente, não gostaria que isso acontecesse, de se sentir injustiçado. Afinal, essa é uma sensação horrível e intragável!


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