Ruptura do pacto social
Pedro J. Bondaczuk
O economista e professor da
Fundação Getúlio Vargas, Antonio Maria da Silveira, no artigo “Erradicação da
miséria – o pacto básico”, publicado no caderno “Dinheiro”, do jornal “Folha de
S. Paulo”, em 10 de dezembro 1991, indagou: “Até quando pode um cidadão
suportar a pobreza sem degenerar-se na mendicância ou na criminalidade? Até
quando continuar cumprindo a sua parte do pacto social quando a própria
sociedade não cumpre a dela?”.
Esta citação vem a propósito de
matéria mostrada no “Jornal Nacional”, da Rede Globo, acerca dos chamados
“Tartarugas Ninja” de Porto Alegre, que não são mais do que oito garotos, entre
os 11 e 13 anos, que “moram” em dois bueiros de esgoto da capital gaúcha.
Nem seria necessária esta reportagem
a mais para atestar o grau de miserabilidade absoluta que atinge parcela
considerável da população brasileira. Em São Paulo , cidade que, como revelou na semana
passada a Organização das Nações Unidas, já é a terceira mais populosa do
mundo, superando Nova York, e uma das mais sofisticadas do Planeta, não há um
único canto escondido, vão de ponte ou de viaduto, que não abrigue alguma
família.
Isto, sem contar os conhecidos
“homeless”, que nem este tipo de abrigo possuem, dormindo nas calçadas do centro
antigo da gigantesca metrópole. Ou o “Homem Gabiru” do Nordeste, vítima da
subnutrição, que sobrevive, teimosamente, embora se constituindo numa
“sub-raça”. Tratam-se, todos eles, de brasileiros.
A sociedade arranja para tais
pessoas nomes até pitorescos, descambando para o poético, para mascarar o que
de mais feio possa existir: a miséria. Chegamos a tal situação, que essa
decadência social sequer choca mais o cidadão comum.
Essa horda de miseráveis, além de
ser ignorada na hora das providências, ainda é usada pelos políticos como
argumentos, em discursos pomposos e carregados de retórica, para fazer mera
demagogia.
Chocante, para não dizer
revoltante, é ver um deputado pronunciar-se publicamente, pela televisão, em
rede nacional, a favor da indecência que seria a tentativa (frustrada) de
alguns parlamentares de aumentarem o valor de suas “aposentadorias”. Eles
precisam se aposentar? Do quê?!
Estão aí projetos e mais projetos
arrastando-se por anos a fio, por falta de votação. A Constituição, promulgada
em 5 de outubro de 1988 e que dentro de cinco meses passará por revisão, ainda
está para ser regulamentada em boa parte dos seus dispositivos.
Aposenta-se somente quem
trabalha. O trabalhador brasileiro contribui durante 35 anos com a Previdência
Social para, na velhice, quando ninguém mais se dispõe a empregá-lo, depender
de migalhas, a título de provento.
Qual a razão de um deputado,
senador, vereador ou seja lá o que for, que promove autêntica briga de foice em
épocas de eleições para se eleger, se aposentar com oito anos de atuação? Sua
tarefa é pesada? É insalubre? É perigosa? Há mais alguma categoria que possa
fazer isso?
Enquanto a população sustenta
milhares e milhares de políticos, multiplicam-se, por este vasto País, os
Homens Gabirus, os homeless, os Tartaruga Ninja e os tantos outros nomes
pitorescos, para rotular os brasileiros que, por incompetência dos políticos,
degeneraram da pobreza para a mendicância.
(Artigo publicado na página 2,
Opinião, do Correio Popular, em 8 de maio de 1993).
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