Friday, August 05, 2016

Ruptura do pacto social

Pedro J. Bondaczuk

O economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, Antonio Maria da Silveira, no artigo “Erradicação da miséria – o pacto básico”, publicado no caderno “Dinheiro”, do jornal “Folha de S. Paulo”, em 10 de dezembro 1991, indagou: “Até quando pode um cidadão suportar a pobreza sem degenerar-se na mendicância ou na criminalidade? Até quando continuar cumprindo a sua parte do pacto social quando a própria sociedade não cumpre a dela?”.

Esta citação vem a propósito de matéria mostrada no “Jornal Nacional”, da Rede Globo, acerca dos chamados “Tartarugas Ninja” de Porto Alegre, que não são mais do que oito garotos, entre os 11 e 13 anos, que “moram” em dois bueiros de esgoto da capital gaúcha.

Nem seria necessária esta reportagem a mais para atestar o grau de miserabilidade absoluta que atinge parcela considerável da população brasileira. Em São Paulo, cidade que, como revelou na semana passada a Organização das Nações Unidas, já é a terceira mais populosa do mundo, superando Nova York, e uma das mais sofisticadas do Planeta, não há um único canto escondido, vão de ponte ou de viaduto, que não abrigue alguma família.

Isto, sem contar os conhecidos “homeless”, que nem este tipo de abrigo possuem, dormindo nas calçadas do centro antigo da gigantesca metrópole. Ou o “Homem Gabiru” do Nordeste, vítima da subnutrição, que sobrevive, teimosamente, embora se constituindo numa “sub-raça”. Tratam-se, todos eles, de brasileiros.

A sociedade arranja para tais pessoas nomes até pitorescos, descambando para o poético, para mascarar o que de mais feio possa existir: a miséria. Chegamos a tal situação, que essa decadência social sequer choca mais o cidadão comum.

Essa horda de miseráveis, além de ser ignorada na hora das providências, ainda é usada pelos políticos como argumentos, em discursos pomposos e carregados de retórica, para fazer mera demagogia.

Chocante, para não dizer revoltante, é ver um deputado pronunciar-se publicamente, pela televisão, em rede nacional, a favor da indecência que seria a tentativa (frustrada) de alguns parlamentares de aumentarem o valor de suas “aposentadorias”. Eles precisam se aposentar? Do quê?!

Estão aí projetos e mais projetos arrastando-se por anos a fio, por falta de votação. A Constituição, promulgada em 5 de outubro de 1988 e que dentro de cinco meses passará por revisão, ainda está para ser regulamentada em boa parte dos seus dispositivos.

Aposenta-se somente quem trabalha. O trabalhador brasileiro contribui durante 35 anos com a Previdência Social para, na velhice, quando ninguém mais se dispõe a empregá-lo, depender de migalhas, a título de provento.

Qual a razão de um deputado, senador, vereador ou seja lá o que for, que promove autêntica briga de foice em épocas de eleições para se eleger, se aposentar com oito anos de atuação? Sua tarefa é pesada? É insalubre? É perigosa? Há mais alguma categoria que possa fazer isso?

Enquanto a população sustenta milhares e milhares de políticos, multiplicam-se, por este vasto País, os Homens Gabirus, os homeless, os Tartaruga Ninja e os tantos outros nomes pitorescos, para rotular os brasileiros que, por incompetência dos políticos, degeneraram da pobreza para a mendicância.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 8 de maio de 1993).


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