Pedro J. Bondaczuk
O fundamento do Natal – data máxima da cristandade, referencial até para a divisão da História em Antes de Cristo (AC) e Depois de Cristo (AD, de Ano Domini, Ano do Senhor), tem que ser entendido no seu devido contexto. Embora eu não seja teólogo, tentarei resumir, posto que em mais de um texto, seu real significado teológico.
Há já muito tempo, a data é comemorada por praticamente todos os povos, mesmo entre os não cristãos, posto que por razões diversas. Os que não professam o cristianismo, por exemplo, celebram a data como a do Solstício de Inverno no Hemisfério Norte (embora não conheça quem celebre o Solstício de Verão, no Hemisfério Sul). Embora hoje a celebração tenha, principalmente, caráter profano (poucos se lembram que se trata do aniversário de Jesus), seu fundamento e sua origem são religiosos.
A promessa inicial de um Messias para redimir a espécie humana do pecado original de Adão e Eva, registrada nos textos bíblicos, foi feita quando da expulsão do primeiro casal do Éden. Moisés (pretensamente o autor do Pentateuco, os cinco primeiros livros da Bíblia que narram o início da história do povo hebreu) assinalou essa garantia divina de redenção em Gênesis (onde é explicada, de maneira metafórica, a origem do universo).
Está escrito, no capítulo 3, versículo 15, que Jeová teria dito à serpente, símbolo da rebeldia e desobediência e personificação do mal, após esta ter induzido os precursores do homem a desobedecerem a Deus e comerem o fruto da Árvore da Ciência do Bem e do Mal: “Eu porei inimizade entre tu e a mulher, entre a tua semente e a sua semente. Esta de ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”.
Fica evidente que este texto comporta inúmeras interpretações como, ademais, todos os outros envolvendo uma riquíssima simbologia. Mas a maioria dos teólogos e exegetas bíblicos concorda que a serpente, no caso, é o espírito de malícia que passaria a existir doravante, à medida que a espécie humana fosse se reproduzindo e povoando a Terra.
A mulher, por seu turno, seria a Igreja, ou a irresistível necessidade da criatura inteligente voltar-se para seu Criador. A base dessa “religação” seria Jesus Cristo, aqui simbolizado pelo calcanhar. Ou seja, como o apoio da verdadeira religião.
A pregação cristã, fundamentada na bondade e na solidariedade entre as pessoas, equivaleria a um ferimento no espírito de rebeldia e desobediência, pressuposto como o fundamento do mal.
Ao mesmo tempo, sua morte, em mãos exatamente daqueles que o Messias tentava redimir do delito original, equivaleria a uma dolorosa, mas necessária ferida à base da Igreja: o próprio Jesus Cristo.
Moisés, entretanto, no mesmo livro, voltaria a registrar nova promessa divina de um salvador. Dessa vez, o compromisso de Jeová foi assumido com o pai do povo hebreu, o patriarca Abrahão, originário da cidade de Harã, do reino de Mari (território da atual Turquia) e que Deus escolheu para, de sua descendência, formar uma nacionalidade. Essa promessa foi muito mais clara e direta do que a primeira e, entre uma e outra, vários milênios devem, certamente, ter transcorrido.
A concepção de Jesus Cristo – como ademais vários episódios da sua vida, obra e morte – gera inúmeras controvérsias entre cristãos e não-cristãos. Para a Igreja Católica, a virgindade de Maria, antes, durante e depois do nascimento do Messias, é questão que não se pode sequer abordar, quanto mais discutir. Foi proclamada, até, como dogma, em 649, pelo Concílio Ecumênico de Latrão e, por essa razão, não pode nem ser mencionada, quanto mais contestada.
Algumas denominações evangélicas aceitam-na, todavia, apenas parcialmente (ao contrário dos ortodoxos, que cerram fileiras com os católicos). Crêem que a concepção de Cristo foi, realmente, obra do Espírito Santo, sem que houvesse, portanto, conjunção carnal. Mas argumentam que, posteriormente, ao nascimento, Maria teria tido filhos com o esposo José, citando trechos bíblicos que se referem aos irmãos biológicos de Jesus.
Os não-cristãos opõem-se à crença da virgindade, sob o argumento da absoluta impossibilidade biológica de haver gravidez sem prévia relação carnal. Afirmam que a linguagem bíblica é alegórica e que não pode ser interpretada literalmente, como os cristãos fazem, mas em seu significado espiritual.
Limito-me a fazer o registro a respeito, sem maiores considerações a propósito, já que estas não cabem nos objetivos deste texto. Ademais, trata-se de mera questão de fé que prescinde, portanto, de quaisquer espécies de comprovações.
Sobre a conotação misteriosa do Natal e, notadamente, a concepção virginal de Maria, Ruy Barbosa escreveu o seguinte texto (constante das “Obras Completas”), que reproduzo abaixo, a título de subsídio.
“Mistério divino, cujo seio, há mil e novecentos anos, se desenvolve a civilização humana, perdoa aos que deste lugar de fraquezas e paixões ousam esflorar com o pensamento a tua pureza. Os moldes da única eloqüência capaz de te não profanar quebraram-se com a última inspiração dos teus livros sagrados. Desde então, de cada vez que o homem se desengana do homem e a alma precisa do ideal eterno na melancolia das épocas agitadas e tenebrosas, diante da injustiça ou da dúvida, da opressão ou da miséria, é no cristal das tuas fontes que se vai saciar a nossa sede. Deixaste-as abertas na rocha da tua verdade e há dezenove séculos que borbotam, com o mesmo frescor sempre das primeiras lágrimas daquela cuja maternidade virginal desabotoava hoje na flor da redenção cristã”.
“Tamanha é a tua grandeza que excede a todas as do Universo e da razão: o espaço, o tempo, o infinito, acima dos quais a cruz da tua tragédia espantosa parece maior que os vôos da metafísica, as intensidades do cálculo e as hipóteses do sonho. Daí a palavra e a imaginação recuam assombradas, balbuciando. A criatura sente o teu amor, mas tremendo”.
“Vê-se alvorecer a eternidade na magnificência de um abismo que se rasga no céu; mas nas suas arestas alguma coisa há de sombra e ameaça. De onde, porém, tu penetras no coração de todos com a doçura de uma carícia universal é daquele presepe, onde a tua bondade nos amanheceu um dia no sorriso de uma criança”.
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