Friday, December 28, 2012

Fidelidade ao estilo

Pedro J. Bondaczuk

O estilo, numa definição bastante genérica e grosseira, é a nossa forma pessoal e particular de fazer as coisas e de se comportar em sociedade. É uma espécie de “marca registrada” que temos, maneira característica que reflete nosso gosto, cultura, formação, habilidades etc. Mesmo que seja, digamos, “copiado”, essa cópia jamais será rigorosamente igual ao modelo de que se “copiou”, a despeito das diferenças serem ínfimas, irrisórias, imperceptíveis a olhares menos atentos. Pode ser superior ao paradigma que o inspirou ou inferior a ele. Pode ser parecido, ou mesmo semelhante, mas jamais será igual, como não há e nem nunca houve duas pessoas que guardem ou guardassem estrita igualdade.

Em arte, o estilo é a forma peculiar do artista de pintar, esculpir, compor, tocar determinado instrumento, escrever e vai por aí afora. É a nossa identidade artística. Em lingüística (e aqui recorro aos préstimos da enciclopédia eletrônica Wikipédia) é conhecido como “estilística” e caracteriza “a forma de utilização da língua, incluindo o uso estético da linguagem em obras literárias ou não”. Enfim...creio que ficou claro o conceito e, ademais, já escrevi muito a esse propósito, cujos textos partilhei com vocês em tantas e tantas oportunidades. Estender-me mais no assunto, portanto, me tornaria redundante e repetitivo, se não impertinente.

Este longo preâmbulo tem o propósito específico de destacar uma das maiores virtudes do pintor holandês Rembrandt Harmenzoon Van Rijn: a fidelidade a seu estilo. Muitos artistas variam os seus, tentam, no curso das carreiras, mudar de rumo, de formas de produzir suas respectivas artes, com resultados nem sempre iguais e nem sempre favoráveis. Alguns, é certo, melhoram a performance e se consagram. Outros tantos, se perdem nas tentativas e erros e fracassam. No meu caso pessoal, mantenho a forma de expor idéias, sentimentos e informações que sempre me caracterizou. Não mudei e nem pretendo mudar. Rembrandt também agiu assim, o que se pode deduzir facilmente da análise da sua vasta obra.

Praticamente desde quando começou a pintar, abraçou a técnica do claro-escuro, do jogo de luz e de sombras, e nela permaneceu ao longo de toda a carreira. Essa forma de exposição da sua mensagem, enfim, essa linguagem artística, não foi invenção dele, como destaquei em reflexões anteriores. Foi criada pelo mestre italiano Michelangelo Merisi Caravaggio. Rembrandt, todavia, imprimiu de tal maneira sua marca pessoal nessa forma de expressão, que muita gente mal-informada lhe atribui sua paternidade.

O “claro-escuro” consiste, em linguagem bem didática e popular, na utilização da obscuridade como fundo de determinado quadro e na concentração da luz no rosto dos personagens retratados, realçando e valorizando suas feições. Dito dessa forma, parece simples, mas não é. Quem já tentou pintar um quadro e buscou se valer dessa técnica sabe das dificuldades que ela traz.

As figuras retratadas por Rembrandt são inesquecíveis, quer pela naturalidade de postura, quer, principalmente, pelos detalhes de suas expressões. Ele pode (admito) ter pintado telas com algumas imperfeições (conforme apontam seus detratores), mas a maior parte da sua obra tem que ser qualificada de “magnífica”, por maior que seja a má vontade para com o artista.

Rembrandt age, em quase todas as suas pinturas, como um hábil iluminador de cinema e de televisão contemporâneos, desses requisitados pelos bons diretores por contribuírem para imagens perfeitas. E o que esses profissionais fazem (e o artista holandês fazia, mas com tintas e pincéis)? Lançam (e Rembrandt parecia lançar) luz ou, quando é o caso, mantêm (e o pintor mantinha) a escuridão em fundo, para que o apreciador descubra por si só o essencial que se pretende ressaltar. Determinado crítico disse dele (opinião com a qual, aliás, compactuo), que seu principal mérito artístico era saber fazer visível o que comumente ñão se pode ou se tem dificuldade de ver.

O jogo de luz e sombras, habilmente utilizado, ressalta detalhes quase sempre escondidos e que passam batidos até do mais atento observador, permitindo que este deduza, dos personagens retratados, aspectos puramente subjetivos, como seu caráter, estado de espírito e até vícios, estampados em suas expressões faciais. O artista tem que ser muito talentoso para fazer tudo isso. E Rembrandt era, caso contrário suas obras não teriam a cotação que têm e nem seriam tão disputadas no seletivo mercado internacional de arte. O fato de ser “bad boy” (como talvez fosse classificado se vivesse nos dias atuais), segundo garantem alguns de seus biógrafos que ele teria sido, não anula e nem deslustra seu magnífico talento. Quem me dera ser o felicíssimo proprietário já não digo de algum de seus quadros, mas pelo menos de qualquer de seus descartados esboços!

Ressalte-se que Rembrandt não foi, apenas, o talentoso pintor, que tantas pessoas (entre as quais me incluo) admiram e veneram. Só isso já seria o bastante. Todavia, ele também incursionou (com sucesso, posto que não tão grande como o de pintor) pelos campos da gravação e do desenho. Uma das suas gravuras mais famosas é “Cristo: cura de doentes”, que data de 1642, também conhecida por “Folha de cem florins” Querem saber a razão desse nome tão estranho e tão pouco artístico? Ora, por motivo óbvio. Esse foi o preço pelo qual essa peça foi vendida. Convenhamos, altíssimo para uma gravura, mas bem de acordo com a prática de Rembrandt, de inflacionar tudo o que produzia.

Como se não bastasse, o artista deixou, também, magníficos desenhos, disputados, a peso de ouro, na atualidade, pelos mais renomados museus mundiais e por multimilionários colecionadores, que não relutam em pagar montanhas de dólares quando têm a oportunidade de adquirir algum deles. Embora contestado por alguns críticos de arte (não muitos) e por estudiosos de pintura e até por um ou outro biógrafo, há um quase consenso considerando Rembrandt um dos maiores pintores de todos os tempos. Pelo menos em relação aos retratos que pintou (mas não apenas a eles), endosso plenamente esse reconhecimento, que entendo ser justo, sobretudo por ele criar seu estilo e manter-se fidelíssimo a ele por toda a vida.

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