Pedro J. Bondaczuk
A tentativa do presidente filipino, Ferdinand Marcos, de buscar nova "reeleição", após estar no exercício da presidência há exatos 20 anos (assumiu o governo em 1965), desperta no observador uma série de reflexões. Principalmente quando ele verifica que esse político, mercê de uma gestão desastrada, quer no campo dos direitos humanos, quer na condução dos negócios de Estado, levou o país à maior dificuldade por ele já enfrentada nos seus 39 anos de independência. O que leva um homem a tamanha paranóia a ponto de se julgar o único capaz de governar uma nação de 54,1 milhões de habitantes e por tanto tempo? Que força estranha faz com que ele conserve, por duas décadas de equívocos e de corrupção, tamanho apoio para se conservar no poder? São perguntas que surgem quase que de imediato ao observador mais atento.
As Filipinas já nasceram sob um clima de violência. Eram originalmente uma colônia espanhola até 1898, quando após a derrota da Espanha na guerra hispano-americana foram tomadas pelos Estados Unidos. Sua independência foi concedida em 4 de julho de 1946, numa homenagem norte-americana à sua própria data nacional. Imediatamente, senhor do seu próprio destino (ao menos teoricamente), o país entrou em ebulição, com os guerrilheiros comunistas "huk" tentando chegar ao poder a todo o custo através da força. Eles apenas foram contidos em sua pretensão oito anos depois, em 1954. Foi, portanto, um nascimento traumático, o dessa nação.
O período Marcos começou em 1965. Quando eleito pela primeira vez, chegou a representar um catalisador das esperanças do povo filipino. Afinal, era jovem naquela oportunidade (tinha 47 anos), inteligente, falava bem e fazia as promessas que a população desejava ouvir. Mas parece que o poder lhe subiu à cabeça. Perdeu por completo o senso de proporção, impingindo aos filipinos a idéia de que ele era o único capaz de conduzir as Filipinas com equilíbrio e moderação, defendendo sua gente da ameaça comunista, que na época era algo bastante palpável na Ásia, mais especificamente no Vietnã do Sul (então sob ocupação norte-americana), Laos e Camboja. Em 1972, a pretexto de combater a inexpressiva e exausta guerrilha, o presidente decretou a Lei Marcial, renovada em várias oportunidades, e a cada vez, mais severamente, através de estranhos plebiscitos, que a oposição jura que foram fraudados. Foi através desse mesmo caminho que Marcos acrescentou, ao seu título pomposo de presidente, o de primeiro-ministro, em 1977.
Durante seu longo governo tornaram-se fatos comuns as prisões arbitrárias de oposicionistas, os exílios de desafetos e os misteriosos assassinatos das vozes discordantes do regime. O mais recente episódio sangrento foi a morte do líder Benigno Aquino, ocorrida em 21 de agosto de 1983, quando este retornava dos Estados Unidos, onde estivera exilado, com a garantia do própria presidente de que sua vida não corria riscos. Todavia, nem chegou, mesmo, a pisar com vida solo filipino. Foi morto covarde e traiçoeiramente na escada do avião que o trouxe de tão longe, num crime que nem o mais ingênuo dos indivíduos conseguiu engolir como sendo daquele que acabou recebendo a culpa por ele. As televisões do mundo inteiro exibiram um filme, feito por um jornalista japonês, onde se destacava um homem uniformizado alvejando Aquino. Mas Marcos até quer negar aquilo que a gente mesmo viu, imputando o assassinato a um extremista, oportunamente também morto, como se a imagem não fosse mais do que mera ilusão de óptica.
Economicamente, as Filipinas estão literalmente na bancarrota. Sua dívida externa, que em 1982 era de US$ 16 bilhões, atingiu no mês passado, segundo dado corrigido divulgado pelo Morgan Guaranty Trust, a US$ 25,5 bilhões, constituindo-se na quinta maior do Terceiro Mundo, abaixo, apenas, do Brasil, México, Argentina e Venezuela. Cresceu, portanto, 65,6% em apenas três anos. A renda per capita anual é de US$ 820, mas ninguém é ingênuo de acreditar que um camponês filipino (e 51,3% de toda a mão de obra do país é constituída de lavradores), ganhe isso. Seu rendimento, quando tem, é muito inferior a essa importância. Diante de tamanha incompetência e de tantas arbitrariedades, só se pode atribuir, mesmo, a uma paranóia essa necessidade patológica que esse político tem de conservar o poder a qualquer custo. Afinal, entre 54,1 milhões de habitantes, será que não existe nenhum capacitado a ser presidente? Ferdinand Marcos acha que não e sempre acaba recendo as bênçãos de Washington para novos mandatos, já que a Casa Branca parece ver nele um "guardião da democracia". Parece mentira, mas isso ainda acontece.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 8 de novembro de 1985)
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