Pedro J. Bondaczuk
A agitação criada em torno do ajuste fiscal, compreensível num país que tem mais de 50 impostos e cujo governo quer criar mais um, explica-se não apenas pelo fato do aumento da carga tributária sobre o cidadão honesto, que não apela para a sonegação, mas também pela forma como o projeto foi apresentado: emenda constitucional.
A Assembléia Constituinte que elaborou a atual Constituição quis evitar que esta se transformasse numa autêntica colcha de retalhos, como as anteriores, emendadas a torto e a direito. Impôs uma série de restrições a esse expediente, como a votação em dois turnos, nas duas casas do Parlamento – Câmara e Senado – e a obrigatoriedade de aprovação das eventuais mudanças com dois terços dos votos dos 503 deputados e 82 senadores.
Admitindo falhas na carta constitucional, os constituintes previram, nas disposições transitórias, sua revisão, marcada para outubro de 1993. O governo Itamar Franco, ao assumir, encontrou os cofres vazios. O então vice-presidente tomou posse na Presidência, em caráter efetivo, apenas nos últimos dias de dezembro, quando o Senado consumou o impeachment de Fernando Collor.
O projeto de ajuste fiscal foi elaborado a toque de caixa ainda durante o período da interinidade e, quando seguia para o Congresso, já não havia mais tempo hábil para ser aprovado, em lei ordinária, no período normal de sessões, de forma a entrar em vigor em 1993.
Um dispositivo constitucional impede que um novo imposto passe a ser cobrado no mesmo ano da sua aprovação. O que fazer? Dinheiro não havia – e ainda não há – para tocar qualquer programa, num país combalido pela estagflação, ou seja, a conjunção perversa da estagnação econômica com inflação intoleravelmente elevada. O raciocínio do governo foi simples: se a Constituição está atrapalhando, que seja modificada.
Só que os autores do projeto não se contentaram em criar, apenas, o controvertido Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF), que constava da proposta da equipe de Fernando Collor, elaborada pelo ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Ary Oswaldo Mattos Filho. Foram mais longe. Embutiram uma série de modificações constitucionais entre as quais a volta disfarçada da “avocatória”.
E o que vem a ser isso? Trata-se de um procedimento jurídico pelo qual o presidente da República, o procurador-geral da União ou as mesas da Câmara e do Senado podem pedir ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça que julguem a constitucionalidade de qualquer ação que esteja tramitando em instâncias inferiores do Judiciário. Com isso, por exemplo, o governo pode ter ganho automático de causa nos milhares de processos em andamento contra a cobrança do Finsocial.
Como se observa, mineiramente, a equipe econômica de Itamar faz mira na formiguinha, mas quer, na verdade, abater o elefante. Ou seja, está de olho não nos US$ 7 bilhões estimados de arrecadação do IPMF, mas nos cerca de US$ 24 bilhões bloqueados na Justiça, referentes às ações que tramitam contra o recolhimento do Finsocial. Para um governo que apregoa querer fazer tudo às claras, convenhamos, o embutimento da avocatória no ajuste fiscal é, no mínimo, uma atitude deselegante.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 25 de fevereiro de 1993).
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