Thursday, December 06, 2012

País onde a vida não tem valor

Pedro J. Bondaczuk

A populosa, violenta e paupérrima República de El Salvador, na América Central, prepara-se para uma nova eleição presidencial, a ser desenvolvida no próximo domingo, num clima que sempre caracterizou esse país, que raramente conheceu algum período de paz e de liberdade. Ou seja, com as forças de segurança e o Exército em “estado de alerta”, com a guerrilha esquerdista ameaçando a realização do pleito e no meio dessas facções antagônicas, a população, resignada com a sua triste sina.

E isto já é uma tradição de longa data por ali. Levantes e guerras civis houve vários, assim como ditaduras. Vezes sem conta as votações que se realizaram foram marcadas pela fraude e pela prepotência. E parece que esse processo perverso deverá ainda continuar.

Houve, em El Salvador, entre os inúmeros caudilhos que desgraçaram a vida desse Estado, um, chamado general Maximiliano Hernandez Martinez, que chegou a “perpetrar” esta “jóia” macabra de declaração, nos tempos em que era o todo-poderoso por ali: “É maior o crime de matar uma formiga do que um homem, porque o homem ao morrer reencarna, enquanto a formiga morre definitivamente”.

E esse ditador, cínico e cruel, que não tinha o mínimo respeito pela vida humana, colocou na prática a sua “filosofia”. Em 1932, um levante camponês, chefiado por Farabundo Marti, redundou num massacre impressionante de mais de 30 mil revoltosos. Ou seja, a metade de todos os mortos na presente guerra civil, que se iniciou em 1979.

O atual presidente, José Napoleón Duarte, vítima de um câncer incurável, bem que tentou pôr fim ao conflito que hoje dilacera El Salvador, ao aceitar uma proposta guerrilheira para adiar a eleição de domingo próximo, com o objetivo de dar tempo à guerrilha para se transformar em partido político.

Tudo o que ele construiu, pacientemente, em meses de negociações, todavia, foi desfeito pelo Legislativo salvadorenho, dominado pela extrema-direita, numa única sessão. Dessa forma, a luta tende a prosseguir indefinidamente. Armas para isso não faltam. Afinal, El Salvador foi o país mais abastecido de armamentos pelos Estados Unidos de todos os da América Central.

Pelo visto, a Casa Branca, pelo menos no que se refere a esse povo, concorda com o sanguinário Martinez. Nunca as formigas proliferaram tanto, por ali, quanto nos últimos deza anos. A guerra civil arrasou com a economia local e dois terços do território nacional estão em mãos da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional. E esses vorazes insetos tiveram, convenhamos, um lauto repasto com os 60 mil cadáveres deixados por este perverso conflito, que não tem perspectivas de chegar ao fim.

(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 16 de março de 1989).


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