Sunday, December 30, 2012

Acusações devastadoras

Pedro J. Bondaczuk

O escritor norte-americano Gary Schwartz, naturalizado holandês, traçou, em seu livro “Rembrandt: sua vida e sua pintura”, um perfil nada favorável ao reverenciado mestre do “claro-escuro”. Aliás, faz revelações devastadoras sobre a personalidade e a conduta pessoal do artista, com base em documentos que colheu após meticulosa pesquisa. De acordo com esse biógrafo, seu personagem foi um sujeito antipático, arrogante, mal humorado e de difícil trato.

Afirma que o pintor trapaceava nos negócios, armava monumentais e desnecessárias polêmicas (como a que manteve com seu cliente de Messina, na Sicília, Antonio Ruffo, a propósito de alegado defeito em um quadro que esse nobre italiano encomendou e que Rembrandt se recusou a admitir e a reparar) e, não raro, não era muito chegado em pagar as contas. Chega a declarar, explicitamente, que o artista era tido e havido como caloteiro. Por causa desse comportamento, de acordo com o biógrafo, embora o pintor contasse com inúmeros admiradores do seu inegável talento, não tinha nenhum amigo.

É impossível afirmar (ou desmentir) que todas essas informações, ou mesmo algumas delas, são verdadeiras ou se não passam de intrigas dos contemporâneos do artista, passado tanto tempo (séculos) de sua vida e de sua morte. Pessoas que não esbanjam simpatia, via de regra, são mais suscetíveis a serem alvos de maledicências, por motivo óbvio. Atribuem-se-lhes, quase sempre, inúmeros defeitos que sequer têm, além dos que são verdadeiros. Não estou afirmando isso em relação a Rembrandt e nem dizendo que foi um santo homem. Só estou levantando uma hipótese, bastante plausível, até com base na lógica.

Schwartz destaca que a fase de ouro do pintor foi a época em que permaneceu casado com Saskia, a primeira mulher. Afirma que nesse período o pintor “nadava” em dinheiro. Mas enfatiza que gastava a rodo tudo o que ganhava com a venda dos seus quadros (cujos preços cobrados seriam exagerados, exorbitantes) com futilidades. E quais seriam esses gastos supérfluos? O biógrafo não esclarece. Não poderiam ser, óbvio, carrões de luxo, importados, do último tipo, pois o automóvel sequer havia sido inventado. Festas também não eram, pois não tinha amigos. Bebidas? É improvável, pois não consta que Rembrandt fosse dado ao alcoolismo. É, pois, uma informação sumamente vaga, subjetiva, e que favorece todo o tipo de interpretação com base na pura imaginação.

Schwartz ainda afirma que Rembrandt não tinha o mínimo senso de economia e não aplicava seu dinheiro em nada que lhe assegurasse a menor segurança financeira no futuro. Ou seja, que esbanjava, como um doido, o fruto do seu mágico pincel (na verdade, do seu enorme talento). Entre os documentos descobertos por Schwartz, para escrever as devastadoras 380 páginas do seu livro, há o de uma cobrança judicial de uma modesta dívida do escritor que, claro, não foi honrada, ação esta movida 16 anos após o débito ser contraído. Conforme o implacável biógrafo (Deus me livre desse sujeito cismar de escrever minha biografia!), essa mesma desonestidade de Rembrandt nos negócios ele replicava na venda dos seus quadros.

Esse aspecto, outros que trataram da vida do pintor também destacaram. Presumo, pois, que o artista quase nunca cobrava, por suas telas, gravuras e desenhos, preços que havia anteriormente combinado. E daí, o que isso quer dizer? Nada! A valorização de um objeto ou de serviço prestado raramente é consensual. Quem vende, ou executa algum trabalho, em geral acha que está cobrando pouco. Já quem compra... sempre entende que o preço é exorbitante e que deveria pagar muito menos. E isso mesmo quando este é combinado previamente. Enfim...

Schwartz cita que um retrato, pintado por Rembrandt, custava 500 florins, importância considerada alta ainda nos dias de hoje. . Na época, essa quantia era suficiente para se comprar uma boa casa em qualquer cidade holandesa. Ou equivaleria aos salários de alguns anos de um operário de remuneração modesta. Essa informação me suscita uma pergunta: se Rembrandt cobrava tão caro por suas produções artísticas, por que tinha tantos clientes, que o assediavam o tempo todo, para que os retratasse? Porque sua obra era de qualidade. Porque o “bom e barato” existe, apenas, na cabeça dos ingênuos e dos que querem levar vantagem em tudo.

Outra denúncia que Schwartz faz ao pintor, com base nos documentos que reuniu, é que muitos dos seus quadros eram entregues aos clientes inacabados, incompletos, ou com ostensivas falhas técnicas, que ele, arrogantemente, se recusava a reparar e cujo pagamento exigia assim mesmo, sob pena de acionar quem os encomendava na justiça. O implacável biógrafo chega a contestar, até mesmo, não apenas a “genialidade” de Rembrandt, mas sua competência. Escreve, em determinado trecho da sua biografia: “Eu creio que nossas avaliações acerca da sua obra mudarão e que perceberemos que alguns contemporâneos de Rembrandt produziram obras de arte de mais criatividade e qualidade do que ele. Contrariamente à crença popular ele não foi nada revolucionário no caminho escolhido para retratar seus personagens. Seguiu um caminho convencional, embora escorado num alto padrão”.

De acordo com Schwartz, até mesmo a esposa Saskia conheceu bem o lado obscuro, nada confiável, infiel e pouco conhecido hoje em dia da personalidade do escritor. Por que? Porque Rembrandt teria vivido tórrido “affair sexual”, um caso romântico, por anos a fio, com a criada da casa, Hendricke Stuffeis, e sob o mesmo teto da esposa. Seria nessa época, de “completa decadência moral”, que lhe teria sobrevindo a adversidade, a falência e a miséria. E nesse momento tétrico da sua vida, não teve a ajuda de ninguém. Acabou morrendo na pobreza, em 1669, em Amsterdam.

Se eu tivesse a oportunidade de conversar, cara a cara, com Schwartz, lhe faria uma sugestão (de “amigo da onça”): “Tente convencer, com seus argumentos, os multimilionários colecionadores das hiper-valorizadas telas de Rembrandt, que elas não valem tanto quanto se pensa. Convença disso os curadores dos mais importantes museus do mundo que expõem seus quadros”. Ora, ora, ora, cidadão, vá plantar batata!! Tenha a santa paciência!!!

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