Pedro J. Bondaczuk
O oratório (ou “oratória” como também é chamado) é um gênero musical que guarda muitas semelhanças e algumas diferenças com a ópera. Ao contrário do que o nome sugere, não é, necessariamente, de caráter religioso, embora suas composições mais famosas o sejam. Um dos mais célebres é “O Messias”. A exemplo da ópera, o oratório é cantado e apresenta conteúdo narrativo. Ou seja, envolve algum tipo de história. As estruturas de ambos, portanto, apresentam diversas semelhanças e, reitero, não têm tantas diferenças assim.
Os dois gêneros utilizam recursos comuns, como árias, recitadores, coros etc. O oratório, contudo, ao contrário da ópera, não se destina a encenação. Ademais, em sua imensa maioria, baseia-se em temas religiosos, Já a ópera nada tem a ver com religião. É eminentemente profana, uma espécie de peça teatral na qual, todavia, em vez de atores, os personagens são vividos por cantores. E em vez de dizerem textos, cantam-nos. Claro que essa explicação é para os leigos, por ser simplista demais para quem tem cultura musical. Contudo satisfaz o caráter didático que pretendo lhe dar.
Muito “marinheiro de primeira viagem”, no que se refere à música erudita (e até alguns “especialistas” mal informados), atribuem a criação desse gênero a Georg Friedrich Haendel. Isso é até explicável, pelo fato desse compositor ser tido e havido, com absoluta justiça, como mestre do oratório. Tornou-se uma espécie de paradigma do gênero. Mas considerá-lo o criador, é injustificável, por não condizer com a verdade.
Os oratórios mais famosos e conhecidos hoje em dia são desse notável compositor, amado e reverenciado pelos britânicos, cuja nacionalidade adotou. O gênero surgiu, porém, quase dois séculos antes do seu nascimento. Teve origem na Itália, nos “laudi spirituali”, que era uma espécie de representação teatralizada. O nome deriva do fato dessas apresentações ocorrerem em uma capela, ou seja, em um “oratório”, ou local de oração. Era uma tradição da Igreja de Santa Maria dela Variccela de Roma. Essas execuções eram organizadas pela Congregação dos Oratorianos, fundada em 1575 por Felipe Néri, que mais tarde foi canonizado.
Os “laudi spirituali” eram uma tentativa de resgate de algumas representações da Idade Média, então em desuso em toda a Europa. Em alguns casos, contudo, iam mais além. Inovavam e buscavam criar novo gênero musical. E criaram. Sua temática centrava-se nos mistérios e nas paixões sagrados. Os participantes usavam máscaras e vestes características, com o objetivo de visualizar para os fieis, de forma bem didática, a eterna luta entre o bem e o mal, a virtude e o vício, os santos e os demônios. Esta forma de representação, portanto, originou os oratórios.
Vários compositores, antes e depois de Haendel, exploraram o gênero. Um deles, por exemplo, foi Johann Sebastian Bach. Outro foi Antonio Vivaldi, com “Juditha Triunphants”. Outros mais podem ser citados, como Antonio Avondiano, em “Morte de Abel”, Franz Joseph Haydn, em “A criação” e “As estações”, Mendelssohn, em “Elias” e Hector Berlioz, em “A infância de Cristo”.
Nem todos os oratórios compostos por Haendel foram de temática religiosa. Exemplo disso é “A morte de Alexandre”, tratando do fim do famoso general macedônio que, após conquistar militarmente quase que todo o mundo civilizado de então, à frente de seus exércitos, teria morrido, provavelmente de congestão, durante uma festa em seu acampamento. Mas a religião predominou em sua temática desse gênero. De formação luterana, Haendel era profundamente religioso. Converteu-se à Igreja Anglicana, tão logo naturalizou-se inglês e tornou-se um dos maiores compositores de música sacra dessa denominação.
O mais vívido, comovente e genial dos oratórios que compôs foi, sem dúvida, “O Messias”. O que surpreende é o fato dessa peça memorável haver sido composta em apenas 23 dias. Haendel começou a trabalhar nela em 22 de agosto de 1741e ela foi inteiramente acabada em 14 de setembro do mesmo ano. É coisa de gênio! Tanto o início do processo criativo desse oratório, quanto seu fim, ocorreram em um sábado. A parte orquestral foi composta em apenas dois dias. O libreto foi escrito por um amigo do compositor, o poeta Charles Jennens.
Haendel, num gesto raro para quem cria – geralmente, encontramos falhas e imperfeições em nossas criações, que nunca nos satisfazem por completo – emocionou-se profundamente ao revisar esse oratório e não achar nada que pudesse ser corrigido ou mesmo melhorado, sobretudo a parte da “Aleluia”. Chegou mesmo a dizer, a propósito dessa passagem: “Julguei ver diante de mim o Paraíso e até o próprio Deus”. Isso lembra o escultor Michelângelo que, ao concluir a escultura de Moisés, esta se lhe apresentou tão perfeita, que parecia estar viva. E, num assomo de paixão, exclamou: “Parla, Moses!!!”
O oratório “O Messias” é, basicamente, dividido em três partes. A primeira trata das diversas profecias sobre o nascimento de Cristo. A segunda aborda a passagem de Jesus pela Terra, sua doutrinação, seus ensinamentos e seu sacrifício. A culminância é o Cristo Redentor, na segurança da vida imortal e da felicidade eterna. O fecho de ouro é o apoteótico “Amém”, que traz a assinatura indefectível de um gênio que reuniu, na sua obra-prima, o talento de um virtuose e a criatividade de um mestre da composição musical. Colocou alma, emoção e toda a imensa carga de uma incontida paixão na elaboração dessa maravilha. Voltarei, com certeza, a tratar da copiosa e monumental obra de Haendel, com o destaque que merece, mas não hoje, porém na sequência destas reflexões.
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