Pedro J. Bondaczuk
A posse do advogado Vinício Cerezo Arévalo na presidência da Guatemala, ocorrida ontem, em meio a festas e também a alguns protestos, além de ter uma grande importância em si própria, ensejou um encontro bastante interessante. É que estiveram presentes às solenidades, entre tantas personalidades políticas, três presidentes que possuem algumas controvérsias a resolver: José Napoleón Duarte, de El Salvador; Daniel Ortega Saavedra, da Nicarágua e Belisário Betancur, da Colômbia. O primeiro e o terceiro não possuem questões pendentes entre seus respectivos países. Ambos, no entanto, devem estar ansiosos por alguns esclarecimentos por parte do governante nicaragüense.
Há tempos os salvadorenhos vêm atribuindo ao regime sandinista a existência de guerrilhas de esquerda em seu próprio território. Coincidência ou não, a guerra civil de El Salvador teve início pouco depois que as forças que depuseram Anastásio Somoza na Nicarágua conseguiram se consolidar no poder.
É evidente que toda a culpa não pode, nem deve recair sobre os nicaragüenses. Deve, isso sim, ser atribuída à situação de injustiça social e péssima distribuição das reduzidas rendas nacionais salvadorenhas. Afinal, até pouco tempo atrás, 21 famílias eram as virtuais proprietárias da quase totalidade do território desse país.
Entretanto, a acusação do governo de El Salvador não se refere propriamente à deflagração desse conflito, que de uma maneira ou de outra, mais cedo ou mais tarde, forçosamente teria que ocorrer. Centraliza-se no fornecimento de armas e de apoio logístico à guerrilha, que sem essa ajuda externa, dificilmente manteria tamanha eficiência, a ponto de hoje controlar, virtualmente, quase dois terços dessa República centro-americana.
Os nicaragüenses sempre negaram enfaticamente qualquer espécie de envolvimento nos problemas de seu vizinho. Até porque suas próprias condições internas não são de moldes a permitir essa espécie de luxo, de poder gastar preciosos recursos ajudando os outros.
A Nicarágua foi acusada, até mesmo, de ter participado no seqüestro de Inês Guadalupe Duarte Durán, a filha do presidente Napoleón Duarte, em outubro do ano passado, hipótese que nos parece completamente fantasiosa, como tantas outras, tão ou mais estapafúrdias, que se formulam na América Central. De qualquer forma, está aí uma boa oportunidade para dois presidentes, com origens e objetivos tão antagônicos, conversarem entre si e aparar arestas.
Outro, que certamente deve estar ansioso por obter explicações de Daniel Ortega, é o presidente colombiano Belisário Betancur. De uns tempos para cá têm circulado insistentes versões da possível participação sandinista nos lamentáveis episódios registrados nos dias 6 e 7 de novembro passado, quando da tomada, por parte dos guerrilheiros do Movimento 19 de Abril, do Palácio da.Justiça de Bogotá.
Há gente capaz de jurar que as armas utilizadas naquele assalto procederam da Nicarágua. Seriam as mesmas fornecidas pela Venezuela aos então rebeldes nicaragüenses que lutavam para depor Somoza. O governo de Manágua, é óbvio, nega essas denúncias, mas de uma forma a deixar sérias dúvidas, não somente na Colômbia, mas em parte ponderável da opinião pública. Ortega terá, dessa maneira, uma chance de explicar pessoalmente a Betancur sua posição no caso. Até porque os colombianos não merecem esse tratamento (caso os sandinistas tenham mesmo algo a ver com o massacre de Bogotá), visto que, integrando o Grupo de Contadora, têm se empenhado da melhor maneira possível para resolver de forma pacífica a crise centro-americana.
Talvez a posse de Vinício Cerezo na presidência da Guatemala dê um novo impulso no sentido de acabar com tais equívocos e sirva para aliviar um pouco a pressão que vai atingindo níveis de saturação, na América Central. Sua disposição pacificadora é um elemento novo na área e pode fazer pender, decisivamente, a balança na direção da paz. Pelo menos é o que esperam aqueles que sinceramente estão empenhados numa solução civilizada e permanente das controvérsias políticas dessa que é uma das mais pobres, e por isso mais violentas, regiões do mundo.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 15 de janeiro de 1986)
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