Pedro J. Bondaczuk
O néctar, que alimentava os deuses do Olimpo, na mitologia grega, se tornou acessível aos mortais comuns, como matéria-prima dessa maravilha da natureza, desse alimento primitivo e saudável, produto que o homem, com sua engenhosidade e sabedoria, nunca conseguiu fabricar, mesmo neste século XXI do terceiro milênio da era cristã, em que a tecnologia que desenvolveu opera feitos assombrosos, em todos os campos de atividade. Essa façanha cabe a um inseto fragílimo, que caso houvesse quem não o conhecesse não lhe daria o menor valor, de vida efêmera, curtíssima que passa quase toda ela trabalhando sem cessar.
Todavia, essa pequenina e operosa criatura está no Planeta há muitíssimo mais tempo do que o homem, tem exemplar organização social que data de múltiplos milênios antes que o Homo Sapiens sequer existisse, quanto mais esboçasse rudimentar senso de organização e sobrevive sob as mais variadas condições climáticas. Ademais esse operoso inseto dispõe de aparato de comunicação muito mais perfeito e eficaz do que qualquer outro ser vivo já identificado pela ciência humana. O leitor perspicaz, certamente, já identificou a que me refiro. Claro, é à abelha, cujo mel adoça a vida do homem desde tempos imemoriais, os das cavernas, e proporciona-lhe, além do prazer ao paladar, saúde e longevidade.
Esse pequenino inseto, aguerrido quando se sente ameaçado – e o produto que fabrica – sempre me despertaram fascínio, assombro e admiração. Claro que não sou o primeiro, não serei o último e muito menos sou o único sujeito fascinado por essas maravilhas da natureza. Desde o surgimento das primeiras manifestações artísticas, poetas têm lhes dedicado versos marcantes. Escritores de outros gêneros têm citado as abelhas, como exemplo de bom relacionamento e organização social. Pintores retratam em telas a simetria dos favos de cera que elaboram em suas bem organizadas colméias. E até compositores de música erudita reproduzem seus zumbidos, que lhes parecem melódicos e harmônicos.
Embora pareça tema insólito (e, de fato, seja), convido-os a refletirem comigo, a propósito, nos próximos dias, em seus múltiplos aspectos, como os biológicos, químicos, antropológicos, artísticos, sobretudo os literários, etc. etc. etc. Vocês certamente se admirarão de quantas reflexões o assunto, aparentemente banal, enseja. O mel, em linguagem popular, está sempre associado ao prazer. Até o homem aprender a fabricar a sacarose, ou seja, o açúcar comum (de cana ou de beterraba), era a única substância doce que existiu por milênios. Jamais o homem deveria ter trocado a natural pela artificial.
O mel, que se apresenta de duas formas, a viscosa e a açucarada, é o produto final do néctar, colhido pelas abelhas nas flores. É o único produto doce que contém proteínas, sais minerais e vitaminas essenciais à saúde humana. Ou seja, além de proporcionar prazer gustativo, alimenta. E mais, tem inegáveis funções terapêuticas, prevenindo várias doenças e, quando estas já estão instaladas, contribui para sua cura. É, acima de tudo, alimento de reconhecida ação antibactericida. Como se vê, é infinitamente mais saudável do que o açúcar fabricado pelo homem que, em certos casos, chega a ser nocivo e causador de determinadas moléstias.
Desde quando surgiram as primitivas civilizações e o homem criou meios para registrar experiências, costumes, histórias e idéias, há inúmeras referências ao mel e à sua excelência, quer como alimento, quer como medicamento, quer como fonte de prazer ao paladar. Isso consta, por exemplo, de documentos dos sumérios, datados de cerca de 5.000 AC. Os egípcios deram um passo adiante e aprenderam, por volta do ano 2.000 AC, a conviver com as abelhas, lançando, dessa forma, a atividade da apicultura. Até então, esse produto era apenas colhido na natureza, sem a menor interferência humana.
Aristóteles, a despeito de sua notória sabedoria, não acreditava que uma substância tão importante para o homem fosse produzida por insetos tão frágeis e, no seu entender, inúteis (e até nocivos, dada sua agressividade). Deixou isso registrado em texto, mais especificamente no livro “História Animalium V”. Sua explicação sobre a fonte de mel soa estranha, sobretudo tendo em conta o filósofo que foi, reverenciado e admirado por boa parte de suas idéias sensatas e sábias estudadas e imitadas ainda hoje, em pleno século XXI da era cristã. Isso prova que mesmo os mais lúcidos e ilustrados pensadores têm, também, seus lapsos de ignorância e de tolice.
Aristóteles via tamanha excelência nesse alimento (no que, óbvio, estava certo) que achava inconcebível atribuir sua produção à verdadeira e única produtora: a abelha. Aliás, em sua concepção, não tinha, sequer, origem terrena. Ele escreveu essa barbaridade a propósito: “O mel cai do ar, principalmente no nascimento das estrelas e quando o arco-íris descansa sobre a terra”. Vivesse hoje será que escreveria essa barbaridade? Duvido! Mas... nunca se sabe.
Esse produto natural inspira diversas metáforas, criadas pelos mais hábeis e inspirados escritores, todas expressando algo sumamente satisfatório, puro e perfeito. José de Alencar, por exemplo, para simbolizar o supremo prazer de um beijo, criou a personagem Iracema, a virgem indígena dos “lábios de mel”. Cito esse romancista ao acaso, por ser o primeiro que me vem à memória, mas muitos outros utilizaram essa figura de linguagem, com o mesmo sentido.
Poetas esbanjam metáforas envolvendo essa saborosa substância. Os hebreus, quando no exílio, ansiavam por conquistar Canaã, terra de que manava, conforme linguagem poética de seus notáveis cronistas, “leite e mel”. Essas figuras de linguagem estão incorporadas no modo de falar das pessoas comuns, que não são literatas e que sequer se dão conta da sua origem. Querem uma delas usada “ad náusea” todos os dias, mundo afora? Cito a “lua de mel”, aquele período imediatamente posterior ao casamento, em que o novo casal se “conhece” profundamente, com destaque para o aspecto sexual.
A título de ilustração, partilho estes versos do poeta Caldas Barbosa (hoje já um tanto esquecido, mas de grande sucesso popular no século XIX se não me falha a memória). Ele os compôs para serem cantados, com acompanhamento de viola. Escreveu:
“Cuidei que o gosto de amar
Sempre o mesmo gosto fosse
Mas um amor brasileiro
Eu não sei por que é mais doce.
Gentes como isto
Cá é temperado
Que sempre o favor
Me sabe a salgado:
Nós lá no Brasil
A nossa ternura
A açúcar nos sabe
Tem muita doçura
Ó! se tem! tem
Tem um mel mui saboroso
É bem bom, é bem gostoso”.
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