Saturday, December 08, 2012

Genuinamente inglês

Pedro J. Bondaczuk

A Inglaterra e, por extensão, a Grã-Bretanha (ou Reino Unido) tem consolidada tradição de acolher os que escolhem o país para viver e trabalhar. Escritores, cientistas, músicos, esportistas etc., nascidos em outros lugares, elegeram-na como pátria de adoção e ali viveram, trabalharam, produziram e morreram. Foram os casos, por exemplo, do polonês Joseph Conrad (cujo nome de batismo era Jozef Teodor Nalecz Kotzaniowski), do norte-americano T. S. Eliot (Thomas Stearn Eliot, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1948); do japonês Kazuo Ishiguro, do indiano Salman Rushdie (hoje cavalheiro do reino e com pleno direito de uso do título de Sir) autor do controvertido best-seller “Versículos satânicos”, do filósofo austríaco Ludwig Witgenstein e do pintor alemão Lucien Freud, que morreu em julho de 2011, aos 88 anos de idade.

Como se nota, não há grandes novidades no fato do compositor Georg Friederich Haendel haver adotado a cidadania britânica. Notável, porém, foi a paixão que manifestou pela pátria de adoção, apesar de ser vítima de perseguições por parte de alguns artistas locais do seu meio, despeitados pelo fato dele, estrangeiro, gozar de tantos privilégios que eles, nascidos na Inglaterra, não tinham. E esses invejosos não eram todos músicos medíocres (não se pode incorrer na tentação de se generalizar) como alguns biógrafos afirmam. Eram pessoas talentosas também (algumas), mas cujo talento não tinha condições de ser comparado ao de Haendel.

Aliás, diga-se de passagem, considerar esse notável compositor como sendo “alemão” é uma impropriedade, inclusive histórica. Por que? Porque quando ele nasceu (e em todo o tempo que viveu) não havia um país chamado Alemanha; O que existia no atual território dessa hoje potência européia eram dezenas de principados, ducados e cidades-estados independentes. A federação, hoje conhecida como Alemanha, somente foi formada em 1871, dividida em Ocidental e Oriental em 1945 e reunificada em 1990. .

O sucesso de Haendel na Grã-Bretanha veio quase que subitamente. Deu-se em sua segunda viagem ao país, em 1712. E, mais uma vez, ele foi favorecido pélas circunstâncias. Explico melhor. Antes dessa nova turnê pela ilha, sua ópera “Renaldo” foi apresentada em Londres. O êxito foi imenso e instantâneo. Quando o compositor retornou ao país, teve recepção (merecida) de astro. Resolveu fixar residência na cidade, mas com idéia de permanecer ali apenas por alguns meses. Permaneceu, todavia, pelo resto da vida (e além dela, pois seus restos mortais estão sepultados na ultra famosa Abadia de Westminster, junto com os despojos de inúmeros reis ingleses).

Além de talentoso (ou principalmente por isso), Haendel sabia vislumbrar oportunidade e não desperdiçá-las. Foi o que aconteceu em 1713, com um gesto de gentileza para com a rainha Anne, o que lhe abriu uma porção de portas (pode-se até dizer, todas elas) no reino. E o que fez, reconheça-se, estava ao seu alcance. Fazia parte da sua atividade, ou seja, a música. Ele compôs a hoje famosa peça “Birthday – Ode for Queen Anne”, para homenagear a rainha pelo seu aniversário. Claro que o gesto a comoveu e, não apenas a ela, como a toda a família real e à corte. Foi uma atitude espontânea do compositor. Ninguém o obrigou a agir assim. Mas tratou-se de uma decisão que se revelou uma “tacada certeira”.

Essa composição foi cantada em 6 de fevereiro de 1713, na Capela Saint James e comoveu a rainha, levando-a às lágrimas. E esta retribuiu generosamente o hábil artista. Nomeou-o Compositor Oficial da Corte da Inglaterra. Começava ali sua ascensão na sociedade do país que mais tarde viria a escolher como pátria de adoção. Novas oportunidades foram aparecendo e Haendel não desperdiçou nenhuma, acumulando sucesso sobre sucesso. Como, por exemplo, o da primeira execução da peça “Water Music”, feita sobre o Rio Tâmisa, cujas margens haviam sido recém reurbanizadas, o que ocorreu em 1717. Ou como a ópera “Radamés”, que o compositor teve o cuidado de dedicar ao sucessor da rainha Anne, o rei George II.

Essa obra estreou em Londres em 27 de abril de 1720. E a magnífica peça musical trouxe-lhe dividendos elevados e inesperados, além dos que todo artista deseja, como reconhecimento e notoriedade.. A exemplo do que havia ocorrido em 1713, com a rainha Anne, o rei George II retribuiu, também, generosamente, à homenagem que recebeu de Haendel. Nomeou-o diretor da recém criada “Royal Academy of Music”. Como se vê, foi, mais uma vez, favorecido pelas circunstâncias, embora o que obteve foi fruto, antes e acima de tudo, do seu talento. Mas este poderia não ser reconhecido, como aconteceu com tantos outros artistas criativos (e acontece muito mais atualmente, e todos os dias e em todos os lugares). Vislumbrou,. todavia, a oportunidade e teve o bom senso de não deixar que escapasse.

Sua carreira continuou em ascensão e teve outro salto de qualidade a partir de 1736. Naquela ocasião, já adotara a cidadania inglesa e sentia-se tão inglês que anglicinizou o próprio nome. Passou a assinar George Frederic Handel. Ou seja, acrescentou um “e” ao primeiro nome, adaptou o segundo e suprimiu o “e”, depois do “ha” do sobrenome. E por que sua carreira teve ainda maior incremento a partir de 1736? Porque foi nesse ano que ele descobriu o gênero oratório (muitos atribuem-lhe, erroneamente, a invenção desse tipo de composição, mas isso explicarei em outra ocasião); O primeiro deles foi “A festa de Alexandre”. Na sequência, vieram dezenas de outros, sendo que a culminância data de 13 de abril de 1742, quando estreou, em Dublin, capital da atual República da Irlanda (ou Eire) sua obra-prima “O Messias”, antes de apresentá-la à corte, em Londres. Mas... esta é outra história, que fica para outra vez.

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