Wednesday, December 19, 2012

Abençoados lampejos!

Pedro J. Bondaczuk

O escritor não escolhe o tema que desenvolve: é escolhido por ele. Esta afirmação, que não deixa de ser polêmica, não é minha, mas de um homem de letras que há pelo menos meio século é meu paradigma literário, meu guru, uma espécie de mentor em Literatura: Jorge Luís Borges. Suas palavras não são, ou talvez não sejam, literalmente estas. Mas o sentido é. Admito que não se trata de regra inflexível, de alguma espécie de dogma que não possa sequer ser contestado, quanto mais derrubado . Não é. Certamente, como quase tudo na vida, há também, neste caso, várias exceções.

O sentido da afirmação de Borges é o de que os temas sobre os quais escrevemos – e não importa se um poema, crônica, conto, ensaio, romance etc. isolados ou se todo um livro a respeito – surgem por acaso, quando sequer pensamos neles. Às vezes, nos vêm à memória em lampejos, em retalhos, em fragmentos, em vários pedaços até mesmo desconexos e sem sentido, pelo menos num primeiro momento.

Mas há, também, ocasiões em que essas “inspirações” (detesto essa expressão) emergem praticamente prontas, nos instando a apenas revesti-las (e imediatamente) de palavras, compondo textos, antes que nos fujam e jamais as recuperemos. Poucos são os escritores com os quais conversei (e converso todos os dias, não raro até várias vezes num mesmo dia) que afirmam que suas melhores produções literárias são frutos de prévio, longo, meticuloso e exclusivo planejamento. Seu desenvolvimento até que é (ou pode ser). Mas a ideia original que propicia tais textos (ou tais livros), não é. Brota súbita, de repente, como se um raio nos caísse na cabeça, espontaneamente, sem forçar.

Ás vezes, o tema emerge de uma conversa informal com a esposa, ou com os filhos, amigos, colegas ou até mesmo com pessoas estranhas com as quais cruzemos pela primeira vez e talvez jamais voltemos a encontrar. Não raro surge da letra de determinada música que ouvimos (e que até detestamos, o que acho muito estranho), ou de um livro que lemos há anos e vai por aí afora.

Já me aconteceu de temas que me renderam satisfação e sucesso depois de desenvolvidos provirem de súbita e intrometida lembrança, de fatos que nem mesmo eram importantes. Nunca consegui explicar (e nem compreender) o motivo deles virem tão de repente à memória. Mas vieram. Foram “trabalhados” com o acréscimo de informações pertinentes, de experiências, de observações e, claro, do expediente da imaginação, muita e quase infinita imaginação, enfim, de todos os recursos de que se valem os escritores. E renderam textos que se tornaram marcantes em minha já longa, posto que acidentada e volátil carreira. Nós, escritores, somos, mesmo, seres estranhos! Muito estranhos! E não tentem nos compreender e nem racionalizar nossas idéias e atos, pois nunca terão sucesso. Afinal, nem mesmo nós nos compreendemos, que dirá os outros!

Esses “cliques” mentais não escolhem hora e nem lugar para acontecer. Às vezes, transcorrem semanas, meses e anos sem que apareçam. Há pessoas que nunca os tiveram (pelo menos é o que alegam). Todavia, podem ocorrer várias vezes num único dia, numa espécie de “tempestade cerebral” (é assim que classifico essa avalanche de auto-sugestões). Ocorrem, inesperadamente, quando estamos no banho, ou fazendo barba, ou comendo, ou até mesmo durante tórrido momento de amor com a esposa. São inesperados e, reitero, rigorosamente espontâneos. Não adianta forçar. O efeito não será o mesmo.

Um desses lampejos (bem vindos) já me ocorreu no curso de azeda discussão que travava com um desafeto, com tudo indicando que terminaria em mútua agressão física de conseqüências imprevisíveis. De repente, parei. Não mais prestei a mínima atenção no que o adversário dizia (embora deduza que eram impropérios). E não poderia, mesmo que quisesse.

A interpretação que o sujeito deu ao meu repentino silêncio, óbvio, não foi de sorte massagear meu ego e muito menos de favorecer minha reputação. Meu desafeto interpretou minha pausa como “rendição” na refrega e, com olhar triunfante, finalmente calou-se também.

Não lhe dei tempo de tripudiar sobre o que ele julgou ser sua vitória. Afastei-me, rápido, para anotar aquela abençoada idéia que me surpreendeu num momento tão inadequado (ou providencial, sei lá). O estranho de tudo é que o tema que emergiu em meio a tal batalha verbal, prestes a se transformar em corporal, me rendeu um dos mais delicados e conhecidos poemas de amor que já escrevi. Somos ou não somos seres estranhos e incompreensíveis?! Claro que sim!!!


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