Pedro J. Bondaczuk
O mel e seus derivados (geléia real, própolis etc.) são tidos e havidos, sem contestações, como alimentos completos, de reconhecidas propriedades terapêuticas, tanto por médicos, fisiologistas, nutricionistas, quanto por outros tantos profissionais envolvidos na área da saúde. Tive a oportunidade de demonstrar isso, mesmo que resumidamente, já que estas reflexões não têm o propósito de se constituírem em nenhum tratado a respeito. Aliás, sequer sou habilitado para tal.
Igualmente destaquei que, mesmo conhecendo sua fórmula e todo o processo de sua produção, jamais se conseguiu reproduzir essa maravilhosa substância, quer em laboratório, quer, muito menos, industrialmente, ou seja, produzi-la mesmo que em escala ínfima. Ela é exclusividade desse inseto laborioso e útil, que habita o Planeta muito antes do Homo Sapiens e que, além dessa preciosa e insubstituível dádiva, tem muito, muitíssimo a ensinar ao animal tido como “rei da natureza” (seria mesmo?), em termos de relacionamento e comportamento: o homem.
Sua “organização social” é impecável. O exemplo de trabalho cooperativo que nos dá é singular e inigualável. Cada membro da colméia tem função específica e exerce-a com perfeição e regularidade, do nascimento à morte, e com rigorosa exatidão, em seu curtíssimo tempo de vida. Tudo, em suas “cidades”, funciona com exatidão matemática, com ordem e com disciplina. Seria apenas fruto do instinto? Não raro, chego a duvidar. Mas, mesmo que seja, ou principalmente se for, é uma admirável forma de viver, a ponto de causar inveja.
Na sequência destas reflexões, tratarei com mais detalhes a esse propósito, sempre enfocando o assunto por um prisma literário, foco principal (posto que não único) deste espaço. Muitos escritores já refletiram a respeito, e não somente sobre esse delicioso, nutritivo e tão completo alimento, mas, sobretudo, acerca de quem o produz com exclusividade e acerca dos maravilhosos exemplos de organização, cooperação e respeito à hierarquia que nos dá. Pudera!
Um dos que trataram do assunto, com a genialidade que o caracterizou, foi o consagrado e imortal poeta romano Virgílio, autor, entre outras tantas obras, da epopéia “Eneida”. Ele escreveu a propósito das abelhas no livro IV de suas “Geórgicas”. É de notar-se a riqueza de detalhes que nos traz – e em linguagem simples, direta e objetiva – das várias funções exercidas por esses assombrosos insetos em suas “cidades” (é assim que considera as colméias e é assim que entendo que devam ser consideradas).
Sem deixarem, em momento algum, de serem poéticos, os versos de Virgílio (infelizmente pouco conhecidos até de muitos leitores e principalmente de escritores tidos como eruditos, mas que desconhecem os clássicos) fazem uma descrição rigorosamente exata, meticulosa e didática, da organização social das abelhas. E em um estilo digno de gênio: simples, direto e sem desnecessárias pirotecnias verbais. O poeta escreve:
“Pois algumas presidem
sobre a maneira de conseguir comida
e, presas ao dever.
estão ocupadas nos campos;
outras dentro
fixam lágrimas de narcisos e resinas flexíveis
para as bases dos favos:
então penduram lá
a cera pegajosa:
e algumas escoltam fora,
os filhos crescidos, a esperança e a realeza da cidade:
e outras acondicionam a essência melífera
junto com néctar puro lotando cada célula:
e algumas, em grupo, são guardiãs da porta,
e examinam, por turnos, as nuvens,
e procuram por chuvas,
ou então aliviam
os recém chegados
de sua carga,
ou todas se unem
e expulsam os zangões preguiçosos
de suas fronteiras”.
Versos magníficos, não é mesmo?! E, além de tudo (reitero) simples, o que apenas comprova que a excelência e genialidade literárias estão na simplicidade (muito mais difícil do que o leigo possa imaginar) e jamais em contorções verbais e em um inútil e pedante esbanjamento de erudição, tão ao gosto de muitos cultores das letras.
Outro que escreveu a propósito da abelha foi o romancista russo Leon Tolstói. O texto que partilho com vocês consta do seu romance épico “Guerra e paz”, sem dúvida sua obra-prima e um dos monumentos literários marcantes de todos os tempos. Seu enfoque centra-se em como as pessoas interpretam a atividade desses insetos, de conformidade com cada circunstância e com a recorrente mania que temos para fazermos imediatas (e geralmente equivocadas) generalizações. Tolstói escreve:
“Uma abelha pousada numa flor pica uma criança. E a criança tem medo das abelhas e diz que o objetivo delas é picar os homens.
O poeta admira a abelha que trabalha no cálice da flor e diz que o objetivo da abelha é recolher o aroma das flores.
Um apicultor, notando que a abelha recolhe o pólen e o néctar e os leva para sua colméia, diz que o objetivo da abelha é recolher o mel.
Outro apicultor, tendo estudado de mais perto a vida do enxame, diz que a abelha recolhe o pólen e o néctar para alimentar a larva e criar a rainha, que seu objetivo é a continuação da espécie.
O botânico nota que ao passar com o pólen da flor dióica para a flor fêmea, a abelha fecunda, e vê nisso seu objetivo.
Um outro, observando a migração das plantas, verifica que a abelha contribui para ela, e pode dizer que tal é o objetivo da abelha.
Mas o fim último da abelha não se reduz ao primeiro, nem ao segundo, nem ao terceiro dos objetivos que o espírito humano é capaz de descobrir.
Quanto mais o espírito humano se eleva na descoberta desses objetivos, mais evidente se torna que o fim último lhe é inacessível.
(...) Graças à razão, o homem observa-se a si mesmo; mas só se conhece através da consciência de si; nenhuma observação e nenhuma aplicação da razão são possíveis”.
Depois dessas “aulas” magnas de observação e de objetividade, de dois gênios literários, de épocas e realidades tão diversas, nada tenho a acrescentar, por hoje.
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