Pedro J. Bondaczuk
Retorno ao meu bloco de anotações, em que registro fatos pitorescos, quando não bizarros, das várias biografias que leio. Faço-o com satisfação redobrada depois de receber vários e-mails de leitores solicitando que não interrompa esse tipo de reflexão. Alguns disseram que se divertem com determinados episódios que narro. Também me divirto em escrevê-los. Outros afirmaram que meus comentários, não raro polêmicos, lhes suscitam meditações, mesmo que não concordem com algumas de minhas opiniões. Ótimo! “Toda unanimidade é burra!” Outros, ainda, escreveram que o mérito desses meus textos é o conteúdo informativo. Trata-se da mania de jornalista que ainda não perdi.
Como o pedido de um só leitor (e quanto mais de dezenas deles) é uma ordem, proponho-me a prosseguir nessa vertente temática. Houve quem me questionasse se li, mesmo, tantas biografias, como tenho afirmado ou insinuado. A resposta é: sim! Esclareço, no entanto, que essas leituras não são “todas” atuais (nem poderiam ser). Algumas datam de uma semana ou duas. Várias delas, contudo, foram feitas há cerca de vinte anos, por exemplo. Essa é a vantagem do escritor ser organizado e manter arquivos sempre atualizados. Os meus estão rigorosamente em dia.
O personagem que escolhi para abordar nos próximos dias é uma espécie de símbolo da França, um tipo de herói nacional. Não se trata, todavia, de nenhum general, embora tenha sido filho de um deles. Não é, pois, Napoleão Bonaparte, nem Ney, nem Charles De Gaule ou qualquer outro militar famoso. Não é, também, nenhum cientista, como Louis Pasteur ou Pierre Curie, por exemplo. E nem pintor, do porte de Auguste Renoir, Jean-Baptiste Camile Corot, Georges Braque, Matisse ou Tolouse Lautrec.
O respeito e veneração dos franceses por essa figura carismática ficou mais do que evidenciado em 1985, quando do centenário de sua morte, oportunidade em que a França lhe rendeu toda a sorte de tributos. Na ocasião, escrevi longo ensaio a respeito, que tive a honra e o privilégio de publicar no jornal Correio Popular de Campinas, no qual então trabalhava, na edição de 22 de setembro daquele ano.
Nosso personagem é um escritor, que pode (e deve) ser considerado clássico da riquíssima literatura francesa, com tantos e ilustres expoentes do porte de Voltaire, Montesquieu, Balzac, Moliére, Rostand, Dumas (pai e filho), Júlio Verne, Valéry, Verlaine, Marcel Proust, André Gide, Jean-Paul Sartre, Albert Camus e vai por aí afora. Nos últimos anos, escrevi muito a seu respeito. Pudera! Um dos ensaios em que analiso uma de suas obras, um romance célebre e polêmico, integra meu livro (inédito, “ainda”), “Dimensões Infinitas”, obra que me deu imensa satisfação ao escrevê-la.
Como dá, pois, para o leitor sagaz deduzir (certamente já chegou a essa óbvia conclusão), é um mestre das letras pelo qual tenho enorme apreço. E tenho de fato.Trata-se do poeta e romancista (e também político, já que foi senador) Victor Marie Hugo. Seu genial talento cativou de tal sorte os franceses (e não apenas os amantes de literatura), que sua morte, ocorrida em 22 de maio de 1885, causou comoção nacional naquele país. Em seu funeral, concorridíssimo, houve uma das maiores manifestações populares de apreço já tributadas a alguém em toda a Europa.
Seu sepultamento, e todas as cerimônias que o envolveram, foi organizado e bancado pelo Estado francês, atitude inédita, principalmente em se tratando de um homem que não presidiu o país, não comandou exércitos, não venceu batalhas militares, não conquistou territórios e não exerceu, portanto, o poder. Os únicos “soldados” que comandou foram batalhões de editores, às voltas com a impressão e circulação de seus livros. As “batalhas” que travou, porém, foram tão importantes, ou mais, do que a dos generais. Foram contra a intolerância, o preconceito, a discriminação e a ignorância. Homens assim são preciosos e insubstituíveis, por serem raros.
O território que agregou ao patrimônio nacional francês foi o da liberdade e o do culto às tradições que mantêm coesas as sociedades. Hugo foi um homem de idéias. Foi um intelectual cujo poder estava em uma mente sumamente lúcida e esclarecida, em um domínio técnico da palavra raramente visto na literatura e fora dela e em um estilo candente, apaixonado e que, em determinadas ocasiões, chegava a descambar para o panfletário (quando isso se fazia necessário). Muitos críticos arrogantes torcem-lhe o nariz. Da minha parte, sou apaixonado por sua forma peculiar de escrever. E os franceses (creio que em sua maioria) também o eram e são.
Seu gênio foi tamanho, que o reconhecimento que a França lhe tributou foi quase unânime. Claro, houve uma ou outra voz discordante, que logo acabou calada, por temor do ridículo. Seus restos mortais (em louvável e rara atitude em se tratando de um escritor) foram sepultados no Panteon, onde permanecem até hoje, junto com os dos heróis da pátria;
Para fazer-lhe justiça, deve-se ressaltar que, além de poeta e romancista, Hugo foi, também, novelista, ensaísta, dramaturgo, estadista e, notadamente, um dos mais dinâmicos ativistas dos direitos humanos da França. Claro que em diversas oportunidades, após sua morte, houve tentativas de adversários e inimigos gratuitos (e todo grande homem os têm) de negar sua preciosa contribuição à cultura, não apenas francesa, mas humana.
Sua vasta obra foi vasculhada, com o objetivo único de se descobrirem falhas e contradições, por parte de alguns espíritos tacanhos e provavelmente invejosos, hoje mergulhados no absoluto (e merecido) anonimato. Mas... Víctor Hugo passou, e com louvor, nesse antipático e inútil exame “post morte”. Por que? Porque sua vida e sua obra credenciaram-no a se tornar mais do que mero escritor ou ativista político: em um inesquecível e inatacável mito. Voltarei, certamente, ao assunto.
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