Pedro J. Bondaczuk
A vida de Edgar Allan Poe foi toda marcada por sofrimentos, tragédias, erros e contradições. E, sobretudo, por paradoxos. É o que deduzo das anotações que fiz da leitura de suas biografias. Algumas contradizem outras, o que dá razão à minha tese de que é impossível se relatar a vida de quem quer que seja, exatamente como ela foi. Talvez as autobiografias se aproximem, posto que remotamente, disso, embora os que a redijam possam (e provavelmente façam isso), omitir fatos e circunstâncias que lhes sejam desfavoráveis. E se o fazem, fizeram, ou farão será uma atitude perfeitamente compreensível, humana e justificável. Ninguém, em sã consciência, quer ser lembrado por erros e vícios.
Minha versão a respeito de Edgar Allan Poe – que sequer é uma biografia, mas mero conjunto de anotações extraídas de livros de vários de seus biógrafos – baseia-se, sobretudo, na intuição. Pode estar errada num ponto ou outro? Evidentemente que sim. Creio, contudo, que a margem de erro seja razoavelmente pequena. Minha intenção principal é a de ressaltar que nem sempre o sucesso, em alguma atividade específica, corresponde ao êxito na vida. Via de regra, sequer resulta em vantagens financeiras, principalmente no terreno complicado e pedregoso da literatura.
Edgar, por exemplo, não fez fortuna com seus textos, consensualmente admitidos como de altíssima qualidade literária, dessas que imortalizam quem os escreve. Além de não ganhar muito dinheiro – creio que se vivesse hoje, as coisas seriam diferentes, embora não possa, óbvio, jurar – não conquistou nenhum prêmio expressivo, desses que consagram, num piscar de olhos, seus ganhadores. Aliás, pelo que sei, na época não havia nenhum de projeção nacional e principalmente internacional.
Não havia, ainda, por exemplo, o Prêmio Nobel. Afinal, quando o inventor da dinamite – de cujo espólio se instituiu essa hoje tão prestigiosa premiação – nasceu, em 1833, Edgar já tinha 24 anos de idade e havia lançado dois livros. Do Pulitzer, sequer se cogitava. Os meios de comunicação restringiam-se, então, a jornais e revistas e ninguém tinha a mais remota noção do que viria a ser criado mais de um século depois, o marketing. O escritor, naquele tempo, para se projetar, tinha que ser muito bom. Aliás,k excepcional. E Edgar o era na sua especialidade, nos contos policiais e de mistério e terror, dos quais dói pioneiro. Isso sem falar no poeta, sensível, imaginoso e inovador.
Houvesse, na época em que viveu, o Pulitzer, ele, certamente teria conquistado, e não apenas um, mas quatro ou cinco. Existisse o Nobel de Literatura, ele o teria ganho com um pé nas costas. A menos, claro, que os encarregados de atribuir esses prêmios fossem inescrupulosos e parciais (no que não acredito) ou tivessem irreversível ataque de burrice. E, se premiado, a vida de Edgar Allan Poe, pelo menos a financeira, seria muito menos complicada, do que foi, com o dinheiro que ganharia desses prêmios, que se constitui em pequena fortuna, dessas da pessoa que os conquiste não precise nunca mais pensar em trabalhar, se não quiser. Fora o prestígio internacional advindo de ambas premiações.
Nesse aspecto, todavia, o talento do indigitado escritor de Boston era tão grande, que fez maravilhas. Raciocinem comigo. Sem prêmios de renome para lhe conferir consagração mundial, sem rádio e televisão para entrevistá-lo e torná-lo mais do que conhecido, popular, sem internet para romper possíveis barreiras impostas a alguns escritores (por razões que nunca consegui compreender), num piscar de olhos, Edgar Allan Poe se tornou conhecido, quer em seu vasto e complexo país, quer muito além fronteiras. Além dos limites do espaço, superou, também, os do tempo.
Hoje, aquele sujeito que foi encontrado agonizante numa suja viela de Baltimore, sujo, faminto, vestindo roupas que não eram as suas, tendo um surto de delirium tremens, como ocorreu no dia que antecedeu sua morte, é reverenciado como um dos maiores escritores, não apenas norte-americanos e não só do seu tempo, o século XIX, mas de todo o mundo e de todos os tempos. E isso sem mídia, sem propaganda e sem badalações. Apenas com a força do seu talento.
A admiração que sua obra desperta notabilizaram, não somente esse escritor, mas até os locais em que viveu, trabalhou, sofreu, morreu e foi sepultado. Tudo o que tem relação, mesmo que remota, com sua vida, hoje é sumamente valorizado. Como, por exemplo, a casa em que morou em Nova York, no bairro do Bronx, onde sua amada Virgínia morreu, hoje transformada em um museu em sua memória. Ou como o seu túmulo, que não passava de obscura tumba quando foi sepultado, em 1849, na igrejinha de Westminster (não confundir com a famosa abadia britânica do mesmo nome), em Baltimore, hoje transformado em ponto turístico, em local de peregrinação dos seus admiradores, cujo número não pára de crescer, por influência, principalmente, das redes sociais.
Até seu maior defeito, o alcoolismo, é relegado a segundo plano e alguns exagerados chegam ao extremo ver certo “charme” nessa doença (o que, para mim, é o cúmulo do exagero), pois a cerimônia que descrevi em um dos textos destas reflexões, realizadas todos os anos na data de aniversário de seu nascimento, tem, como ponto alto, uma cerimônia em que todos os excêntricos participantes portam copos de uísque nas mãos, erguendo-lhe um brinde. E o número desses fanáticos cresce de ano para ano. Em 1985, eram por volta de 400, de pelo menos 30 Estados norte-americanos. Atualmente, passam de dois mil, com pessoas procedentes de diversas partes do mundo.
Tudo isso leva-me a concluir (talvez de forma afoita, sei lá) que, a exemplo de tantos gênios, Edgar Allan Poe nasceu em época errada, daí a incompreensão com que teve que conviver e as agruras financeiras pelas quais passou nesse tempo, que não era bem o seu. Creio que se nascesse na metade do século XX, por exemplo, sua história seria muito diferente. Claro que se trata de mera conjetura da minha parte. Saber, mas saber mesmo, é impossível, tanto para mim, quanto para qualquer um. Ele foi, como se costuma rotular os que tiveram trajetória acidentada, como a sua, e rebeldia indomável, como a que tinha, lídimo “escritor maldito” – a exemplo de Verlaine ou de Rimbaud na França. Bendito escritor maldito!!!
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