Sunday, December 02, 2012

Fim misterioso de um cultor de mistérios

Pedro J. Bondaczuk

A morte de Edgar Allan Poe foi tão misteriosa, ou mais, do que os mistérios que ele criou, com a força do seu talento e imaginação, nas centenas de contos que escreveu. Passado mais de um século e meio da sua ocorrência, até hoje médicos, pesquisadores, historiadores e seus tantos biógrafos continuam à procura da verdadeira causa, ou das causas, pois podem ser mais de uma, que determinaram o seu fim. Hipóteses há diversas, mas certeza, certeza mesmo, ninguém tem nenhuma. Presumo que jamais se terá. Trata-se, é verdade, de apenas um detalhe, mas relevante em termos de história.

Antes de abordar esse desfecho infeliz, cabem algumas considerações a propósito da vida sentimental do escritor. O grande amor da sua vida – e nisso todos seus biógrafos concordam – foi sua prima Virgínia Clemm, que tinha apenas 13 anos de idade quando ambos se casaram, e escondidos. Foi o único jeito de se unirem, dada a insistente oposição da família (dela, evidentemente). Mas sua Musa inspiradora não foi a única mulher com quem se relacionou. Nenhum desses relacionamentos, é verdade, prosperou – e sempre pelo mesmo motivo, pelo alcoolismo de Edgar Allan Poe – e provavelmente eles não dariam certo caso prosperassem. O escritor nunca apagou da mente (e do coração) a imagem da sua amada Virgínia.

Em 1846, ele trabalhava em Nova York, como editor do “Broadway Journal”, no entanto o jornal faliu. Foi mais um percalço, dos tantos pelos quais passou, em sua acidentada vida, já tão confusa e atormentada em decorrência da morte da mulher, o que o desorientou ainda mais, justo ele que nunca primou pelo equilíbrio. Foi nessa ocasião que tentou cortejar a talentosa poetisa Sarah Helen Whitman. Contudo, como convencer uma mulher inteligente e de bom senso a aceitar um relacionamento mais sério e duradouro, levando a vida desregrada e maluca que levava? As chances de êxito eram praticamente nulas.

O casal até que chegou a ficar noivo. Todavia, quando menos Edgar esperava, Sarah rompeu, subitamente, o compromisso. Especulou-se bastante quanto ao verdadeiro motivo do rompimento. Parte dos biógrafos atribui o fato ao óbvio, à vida desregrada e errática do escritor. A mim me parece, contudo, que a hipótese levantada por outros é a mais plausível. Ou seja, que o noivado foi desfeito por interferência direta da mãe de Sarah, Miss Whitmann. Não se sabe se foi por causa desse fracasso amoroso ou por estar ainda inconformado com a morte de Virgínia, ou a soma de uma série de acontecimentos negativos, o fato é que foi nessa exata ocasião que Edgar tentou cometer suicídio, ingerindo dose cavalar de láudano. Foi, no entanto, socorrido a tempo.

Desempregado, após a falência do “Broadway Journal”, viúvo, recém saindo de um fracasso amoroso e com lembranças amargas que lutava para esquecer, o escritor resolveu deixar Nova York e tentar, quem sabe, recomeçar a vida em outro lugar. Mudou-se para Richmond. Foi nessa cidade que reencontrou sua paixão de infância, coincidentemente também chamada de Sarah (Elmira Royster), que na ocasião já era viúva. Resolveu cortejá-la, mas o resultado foi o mesmo de Nova York. Ou seja, a família da mulher opôs-se, ferrenhamente, ao relacionamento, pelos motivos de sempre: o alcoolismo e a vida dissoluta de Edgar. E tudo, mais uma vez, acabou dando em nada.

Vivesse hoje, e tivesse a fama de excepcional escritor que já tinha, certamente haveria uma infinidade de mulheres fazendo fila à sua porta, dispostas a se casarem com ele, a despeito de ser alcoólatra e não dar a menor indicação de que queria, e iria, se regenerar. Mas naquele tempo... as coisas eram muitíssimo mais rígidas. Outro fracasso de Edgar Allan Poe foi o de jamais conseguir concretizar um de seus maiores sonhos: o de ser dono do próprio jornal. Nunca conseguiu reunir dinheiro suficiente para esse empreendimento.

Finalmente, resta-me abordar as circunstâncias da sua morte que, como enfatizei, é, até hoje, um mistério que ninguém conseguiu desvendar. Na manhã de 3 de outubro de 1849 o escritor foi encontrado em uma viela de Baltimore, Estado de Maryland, para onde havia se mudado recentemente, em estado lamentável. Delirava, vendo baratas e aranhas por toda a parte, não dizendo coisa com coisa, tomado, supostamente, de “delirium tremens”, em decorrência, provavelmente, de extrema embriaguez. Até aí, tudo bem. Todos sabiam que Edgar era alcoólatra, que costumava se embebedar com constância e só se poderia esperar que um dia chegasse a esse extremo.

De acordo com Joseph W. Walker, que o encontrou e o socorreu, o “escritor estava muito angustiado e precisava de ajuda imediata”. Ou seja, os sintomas que apresentava eram mais de envenenamento do que de delirium tremens. Socorrido, Poe foi encaminhado ao Washington College Hospital, da Universidade do mesmo nome. A despeito da assistência médica, ele morreu quatro dias após a internação. A morte ocorreu às 5 horas do amanhecer do domingo de 7 de outubro de 1849. Em momento algum recobrou a consciência para explicar o que de fato havia lhe acontecido. Como, por exemplo, o por quê de estar vestido com roupas que não eram as suas. Claro que esse fato foi um dos que causaram maior estranheza nos que testemunharam o seu fim.

Teorias sobre as causas apareceram (e continuam aparecendo) às dezenas. Para uns, tratou-se de suicídio. Essa hipótese, porém, é a menos aceita e igualmente a menos provável. Há quem diga que ele contraiu cólera e morreu disso. Mas os sintomas não conferiam. Outros afirmam que se tratou de sífilis. Outros, ainda, especulam que a causa mortis foi o diabetes. E não poucos suspeitam que se tratou de assassinato, o que não pode ser descartado, principalmente por causa do detalhe das roupas, que não eram as suas, com que foi encontrado. Enfim, para quem conviveu com o mistério, e fez dele a matéria-prima da maior parte da sua grandiosa obra, sua morte, ironicamente, parece que tinha que ser como foi: misteriosa.

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