Pedro J. Bondaczuk
“Por este tempo, César Augusto, o imperador, decretou que se fizesse um recenseamento em toda a nação. (Este recenseamento foi feito quando Quirino era o governador da Síria).
Exigia-se que todo mundo voltasse à sua terra natal para se registrar. E como José era da antiga família real, teve que ir a Belém, na Judéia, terra natal do rei Davi, viajando de Nazaré, na Galiléia, para lá. Ele levou consigo Maria, sua esposa, que estava grávida.
Estando ali, chegou a hora do filho dela nascer; e ela deu à luz seu primeiro filho, um menino. Enrolou-O num cobertor e O deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria”.
Com essas palavras singelas, como o próprio ensinamento do Mestre dos Mestres – afinal, a sabedoria reside, exatamente, na simplicidade, ao contrário do que pensam os pseudo sábios e os pedantes – São Lucas narra o momento culminante da história humana, no capítulo 2, versículos 1 a 6, do seu livro. Nesse despojamento verbal do evangelista reside, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, uma das mais profundas e elaboradas lições teológicas. A de que as obras humanas e suas veleidades de glória e de poder não passam do que sempre foram: vaidade, puríssima vaidade. Tolas e fúteis fantasias que se desfazem em pouco tempo. O que importa, na única criatura inteligente da Terra não é o que ela tem, mas o que é.
Certamente o evangelista não pretendeu fazer um registro histórico, como comprovarei mais adiante. Até porque isso era irrelevante em sentido prático. O que pretendeu foi demonstrar o mesmo entendimento ético que levou, milênio antes do nascimento de Cristo, o patriarca Abrahão a abandonar o conforto presunçoso e sem sentido e a ciência ilusória de Ur dos caldeus, em busca de um sonho, à procura , sobretudo, de um sentido mais elevado para a existência humana.
O tempo veio comprovar que o pai do povo hebreu estava certo. Reinos poderosos, que submetiam outras nações ao seu jugo e onde tudo era permitido para a satisfação dos instintos. Desmoronaram, fragorosamente, por sua fragilidade. De nada valeu sua riqueza para conter a cupidez de bandos semi-selvagens que, pelo contrário, foram atraídos por ela. Nenhuma serventia tiveram suas armas de metais e nem suas muralhas, aparentemente instransponíveis, à prova de assaltos.Sua ciência revelou-se mera elucubração de dementes: fantasiosa, ilógica e irracional.
Civilizações inteiras foram extintas e varridas do mapa por hordas bestializadas que lhes eram sumamente inferiores em poderio e domínio técnico, mas que as superaram em violência e em cobiça. Contudo, não foi a fraqueza a causa da sua perdição, mas, paradoxalmente, a sua força e a excessiva confiança de que eram imbatíveis. A falta de convicção em sua crença contribuiu, de forma decisiva, para a derrocada. Faltava-lhes um ideal sólido. Tais civilizações objetivavam satisfazer, apenas, os apelos dos sentidos. Submetiam-se, estupidamente, a divindades imaginárias, cruéis e corruptas, como os que as adoravam. Não cultivavam a elevação do espírito, a verdadeira grandeza e transcendência. Todas essas orgulhosas, mas vazias de conteúdo e sentido civilizações desapareceram, muitas sem sequer deixar vestígios de sua existência. “Sic transit gloria mundi”.
O despojamento do nascimento de Cristo (nascido em uma estrebaria, junto a animais), mostra que o homem não precisa de confortos, luxos e suntuosidade para ter a satisfação que valha a pena na vida. Ninguém nasce predestinado, como se acreditou por tanto tempo e como ainda hoje muitos e muitos acreditam. Somos dotados do livre arbítrio, que nos foi dado por Deus para escolhermos nossos caminhos. Nossa felicidade ou desgraça dependem exclusivamente dessas escolhas, que só a nós compete fazer, sem a interferência de nada ou ninguém.
Nossa força e importância não estão no que temos, pois toda a posse de bens é transitória e dura, só, enquanto estivermos vivos. Estão exclusivamente no que somos. Estão na nossa bondade, na nossa solidariedade, na nossa generosidade, na nossa capacidade de gerar e distribuir idéias, princípios e valores espirituais.
A verdadeira riqueza que devemos aspirar é a sabedoria, nascida da experiência e do convívio saudável e harmonioso com os semelhantes, compartilhando angústias, incertezas, temores, mas também alegrias e sucessos. Nossa grandeza não está num falso poder, baseado na força bruta e na violência, mas na capacidade de servir em vez de sermos servidos. Mas de fazê-lo com espontaneidade, dignidade e benevolência. Ou seja, na capacidade de sermos humildes, sim, mas sem nos humilharmos. Está em saber multiplicar para depois dividir e não no somar (enganadores tesouros materiais ao nosso patrimônio) e muito menos no subtrair o que pertença aos outros.
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