Pedro J. Bondaczuk
As biografias do pintor holandês Rembrandt Harmenzon Van Rijn, embora, óbvio, tratem todas do mesmo personagem, divergem, todavia, no perfil que traçam do artista e, sobretudo, do homem. Algumas concentram-se exclusivamente em sua obra e retratam-na como singular, quando não genial. Outras dirigem o foco para o temperamento do artista, (um tanto difícil, para dizer o de menos) e para suas ações, nem sempre dignas de elogios, embora reconheçam a importância e a competência daquilo que legou. Outros, ainda, vão ao extremo de considerar sua pintura não tão perfeita assim, além de ressaltar, e talvez exagerar, suas deficiências de caráter.
Este é o tributo que o artista (e não importa de que arte, se pintor, escultor, compositor, escritor etc.) tem que pagar quando não mais pode se defender e justificar suas ações. Ou seja, a avaliação do que fez e do que foi é realizada por pessoas que sequer o conheceram, a não ser por leituras, e que baseiam suas conclusões em meras conjecturas, ou evidências subjetivas, quando não na pura intuição e, não raro, somente na própria imaginação. Da minha parte, óbvio, não tiro nenhuma conclusão a propósito do caráter de Rembrandt ou de outra personalidade qualquer. Limito-me a comentar aspectos que considero inusitados de relatos a seu respeito feitos por seus biógrafos (que nem posso determinar se são bem intencionados ou não), buscando, prioritariamente, extrair lições do que foi escrito.
Não ponho, pois, minha mão no fogo para apoiar a tese “x”, “y” ou “z” a propósito de nenhum artista. Não afirmo e nem nego que Rembrandt tenha sido o gênio que muitos consideram que foi e nem que tenha sido o impostor, conforme outros biógrafos tentam sustentar. De qualquer forma, mesmo às vezes mal falado, seu nome continua em evidência, mais de quatrocentos anos depois do seu nascimento. Algum valor, certamente, deve ter. É aquela história: “falem mal, mas falem de mim”.
Aprecio os quadros desse artista – que conheço, óbvio, apenas por reproduções publicadas em livros sobre artes plásticas – e pouco me importa se ele foi um santo ou rematado pilantra. Além do que confesso: por mais meticulosa que tenha sido minha observação, não notei nenhum defeito dos tantos apontados por muitos dos seus críticos. Mas também não juro que eles não existam. Afinal – e desculpem o clichê – ninguém é perfeito.
Rembrandt nasceu em 15 de julho de 1606 na cidade holandesa de Leyden. Seu mestre foi Pieter Lastman. Foi ele o responsável pelo artista ter aprendido a técnica do claro-escuro, que viria a se tornar uma espécie de sua “marca registrada” na pintura. A criação dessa maneira de pintar, todavia, não foi dele. É atribuída ao italiano Michelangelo Merisi de Caravaggio e ao alemão Adam Elsheimer. Quem a popularizou, porém, foi mesmo Rembrandt, daí muitos mal informados lhe atribuírem a paternidade.
Nosso personagem mudou-se, ainda jovem, para Amsterdam, então o centro do poder da Holanda, onde se concentravam a realeza e a nobreza desse peculiar reino protestante, além da burguesia endinheirada, ou seja, a potencial clientela dos artistas de então. No século XVII, viver de arte não era como agora. Se atualmente isso já é um imenso e infernal desafio, a despeito de todos os recursos e oportunidades que se têm, imaginem como as coisas, nesse aspecto, eram então! Os artistas plásticos bem-sucedidos (e os de outras artes idem) contavam com poderosos patronos, e os quadros, na maioria (para não dizer na totalidade) eram pintados de encomenda. Quem não contasse com algum rico protetor, que lhe não encomendasse alguma coisa, tinha chances praticamente nulas de aparecer e de sobreviver do seu talento, por maior que este fosse. O melhor que poderiam fazer para garantir o sustento era procurar outras atividades, mais seguras e mais rentáveis.
No tempo de Rembrandt, a Holanda contava com número expressivo de pintores considerados geniais, muitos dos quais, até, com talento reconhecidamente superior ao dele. A concorrência era feroz. Na ocasião, o “caravaggismo”, ou seja, a técnica de utilização do contraste claro-escuro, era bastante difundida. Os retratos eram o tema predominante. Recorde-se que a fotografia ainda não fora inventada (o seria apenas cerca de mais de duzentos anos depois). E Rembrandt retratou várias personalidades de Amsterdam do seu tempo e até a ele próprio, numa série de auto-retratos sumamente bem cotada no mercado internacional de arte atual. Na ocasião, todavia, já começavam a despontar nos Países Baixos outras formas de expressão pictóricas, sobretudo o paisagismo e a natureza morta, típicos da Escola Flamenga.
Vermeer de Delft, por exemplo, transportava para a tela paisagens envolvendo cenas urbanas e ambientes burgueses, com extraordinária maestria, rara sensibilidade e intenso lirismo. Destaque-se que foi no século XVII que Franz Hals e AntoonVan Dyck renovaram as técnicas do retratismo, acrescentando detalhes alegóricos e de extrema sutileza para ressaltar a figura dos nobres, dos militares e dos ricos comerciantes retratados. Esse período, todavia, marcou o apogeu do barroco, tendo como destaque Rubens, cujas telas caracterizavam-se por enormes e complicadas composições e uma utilização suntuosa e até luxuriante de cores.
Em Amsterdam, Rembrandt conheceu Saskia, prima em segundo grau de Hendryk Uylenburh, e se casou com a moça. Esse homem, que viria a se tornar seu parente, era respeitado “marchand”, com quem o artista se associou no início da carreira. A mulher era de uma família protestante, calvinista, e o casamento do pintor com ela abriu-lhe inúmeras portas e possibilitou-lhe, por consequência, receber diversas encomendas de retratos, que lhe renderam polpuda renda.
Provavelmente por pintar, preferencialmente, para menonitas e católicos, seus temas (até recorrentes) tenham sido, naquela fase, na maioria de inspiração bíblica, geralmente interpretados no sentido de um protestantismo livre e não dogmático. Outra temática usual do artista era a de figuras de judeus, onipresentes em seus quadros, com os quais Rembrandt convivia harmoniosamente em Amsterdam. Voltarei, certamente, a tratar da prolífica obra deste polêmico e controvertido pintor, mal falado, porém, nunca esquecido.
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