Pedro J. Bondaczuk
A única maneira que temos para tentar escapar do total esquecimento, após uma, duas ou no máximo três gerações depois da nossa morte, é deixarmos alguma obra, não importa de que natureza (se concreta ou abstrata), mas que tenha sido útil (e que continue, de alguma forma, sendo e gerando efeitos ao longo do tempo) a certo número de pessoas. Isso é possível, também, mediante algum ato extraordinário (de heroísmo, de bondade ou mesmo de maldade, pois há monstros humanos que jamais são esquecidos), que tenha sido testemunhado por muitos e relatado de formas a ficar registrado. E que esse registro, claro, seja preservado e franqueado à consulta. Mesmo assim... não há a mínima certeza de que não seremos totalmente esquecidos, como se sequer tivéssemos existido. Imaginem quem não faz nada, quem não deixa nada, quem não impressiona e nem conquista ninguém!!
É duro admitir, é um severo castigo para nosso ego, mas a vida é assim. Somos efêmeros e passageiros e é ridícula a postura prepotente e arrogante dos que se julgam eternos e indestrutíveis. Ninguém é, e nunca. Alguns legam à posteridade obras preciosíssimas – ou pelo valor artístico, ou pela utilidade, ou, ainda, por ambos – e ainda assim acabam esquecidos. O que fizeram, muitas vezes, é destruído, ou de alguma forma se perde em decorrência de circunstâncias incontroláveis. Seus atos extraordinários ou não são testemunhados, ou são por poucos e apagam-se da memória até de seus descendentes. E assim o véu do esquecimento desce implacável sobre eles para sempre. É cruel, mas verdadeiro.
Querem um desafio? Tentem lembrar quem foi seu bisavô (qualquer um deles). Lembraram? Sabem pelo menos seu nome? E o que ele fez? Estão vendo? Não sabem (ou não se lembram). Mas ele existiu, caso contrário, vocês não existiriam. Certamente amou, acertou, errou, sofreu, foi feliz, teve ambições e os mesmos sonhos que vocês têm etc;etc.etc. Todavia... perdeu-se no esquecimento.
Tratando especificamente de artistas, que, portanto, produziram alguma obra, por que alguns, mesmo criando poemas excepcionais, pintando quadros que se aproximam da perfeição, esculpindo estátuas que parecem ter vida, compondo músicas com a linguagem dos anjos, são esquecidos e outros tantos, que fizeram o mesmo, mas não com a mesma perfeição, são sempre lembrados? Quem consegue explicar isso? Creio que não haja explicação.
Entre os lembrados, há muitos que o são por uma única obra, como é o caso do escritor mexicano Juan Rulfo, pelo seu livro “Planalto em chamas”. Outros o são por várias delas, às vezes por centenas. E uma infinidade, que ascende aos milhões, não o é por nenhuma e nem por nada. Para todos os efeitos, estes não existiram. É aí que entendo que entre em cena o fator aleatório, que chamo de “circunstâncias”. Para uns, elas se mostram positivas. Para outros, são rigorosamente perversas.
No caso de Georg Friedrich Haendel, pelo menos no que diz respeito às suas produções artísticas, elas foram sumamente benignas. Nem tudo em sua vida, óbvio, foi um mar de rosas. O ilustre compositor conheceu, por exemplo, a solidão. Decepcionou-se inúmeras vezes com os que gozavam de sua simpatia e confiança. Foi à falência. Teve um ataque apoplético, que por pouco antecipou sua morte, Terminou a vida completamente cego e dependente. Passou, como todo mundo passa, portanto, por muitos maus bocados (que oportunamente trarei à baila).
Todavia, boa parte do que produziu é lembrada hoje, mais de dois séculos após sua morte, com admiração e reverência. Por que o mesmo não acontece com milhares e milhares de outros artistas, tão bons como ele (se não melhores) e dos quais ninguém mais se lembra? Alguém consegue explicar? Não? Nem eu.
Haendel tinha importante vantagem sobre outros tantos compositores: era instrumentista dos melhores, dominando, com perfeição, diversos instrumentos musicais, principalmente o órgão, mas também o violino, o violoncelo e alguns outros. Não dependia dos outros, portanto, para testar suas composições, antes de dá-las por acabadas e de apresentá-las ao julgamento do público. Isso contou, e muito, a seu favor. Além disso, não parou nunca de compor, mesmo depois que ficou cego. E, da quantidade, extraiu a desejável qualidade (e que qualidade!). Nem todos conseguem isso. Aliás, são poucos (pouquíssimos) os que têm êxito nesse aspecto. Mas é um caminho.
As composições de Haendel ascendem a mais de 600. Sua produção, portanto, foi assombrosa. E, reitero, da melhor qualidade. São tantas as obras que legou às posteridade, que se torna inviável citá-las nominalmente uma por uma. Algumas de suas principais óperas (e cito, aleatoriamente, apenas dez delas) foram: “Almira” (1705), “Florindo” (1707), “Rodrigo” (1708), “Júlio César” (1724), “Alexandre” (1726), “Ricardo I” (1727), “Ptolomeu” (1728), “Orlando” (1733), “Ariana em Creta” (1734) e “Oreste” (1734).
Quanto aos oratórios, gênero no qual foi mestre e quase inigualável, além de “O Messias” (1741), sua obra-prima que o perpetuou, podem ser mencionados, igualmente de maneira aleatória, “A ressurreição” (1708), “Débora” (1733), “Esther” (1718), “Saul” (1838), “Israel no Egito” (1738), “Sansão” (1841), “José e seus irmãos” (1743), “Hércules” (1744) e “Judas Macabeu” (1746). Não se pode deixar de citar suas múltiplas cantatas, como “O triunfo do tempo e do desengano” (1707), “Galatea e Polifemo” (1708), “Da guerra amorosa” (1709), “Apolo e Dafne” (1710), “A Lucrécia” (1710), “Ode para o aniversário da rainha Anne” (1713), “O triunfo do tempo e da verdade” (1737), “Ode para o Dia de Santa Cecília” (1739), “Eros e Leandro” (1707) e “O triunfo do tempo e da verdade” (1757).
Se você quiser aumentar suas chances (mas em quanto elas serão aumentadas é impossível de se determinar) de ser lembrado, e sabe-se lá até quando, sugere a lógica que deve produzir (o que sabe fazer de melhor) ao seu limite, e sempre obras que beirem à perfeição; semear amizades e simpatias por onde passar; evitar controvérsias e confrontações que não passam de mera perda de tempo e de energia; agir sempre com correção, honestidade e bom-senso e deixar o resto por conta da memória dos que o conhecem e dos que o vierem eventualmente a conhecer;
Agindo assim, o êxito é certo? Claro que não! Nunca é! A vida é como um jogo de dados ou como uma roleta não viciada: incerta e insensível. Mas... “talvez” você consiga a façanha que Georg Friedrich Haendel conseguiu: a de conquistar o coração e a mente não apenas de meia-dúzia de simpatizantes, mas de todo um povo. Que tal tentar?
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