Pedro J. Bondaczuk
A média de pessoas mortas, num dos campos de refugiados famintos da Etiópia, praticamente triplicou no último fim de semana, saltando de 46 para 120 vítimas. E os voluntários da Cruz Vermelha Internacional e das Nações Unidas que trabalham naquele local (que abriga atualmente 20 mil etíopes, mas que tem crescido de número a cada instante) alertam que, se nas próximas horas não chegar mais comida, essa quantidade de óbitos deverá crescer dramaticamente. O campo em questão, aliás, nem mesmo é o maior deles e, por essa razão, provavelmente, está recebendo menor ajuda. é o de Bati, na Província de Wallo, região que também tem o acampamento de Korem, cujas imagens chocantes foram mostradas pela TV para o mundo todo nos últimos dias.
O drama das populações africanas já pode ser considerado, nesta altura, como uma das grandes tragédias deste século. Afinal, são 27 milhões de seres humanos, a maioria habitantes de nações paupérrimas e que dependem exclusivamente, nas atuais circunstâncias, da solidariedade internacional, que estão na iminência da morte por inanição. E o problema, já sério por si só, agrava-se muitas vezes diante da falta de visão de líderes despreparados para o exercício do poder, que não têm noção exata da escala de prioridades na destinação das parcas verbas existentes em suas comunidades nacionais.
Veja-se o caso da Etiópia. Essa nação possui uma das quatro menores rendas per capita do Planeta, com US$ 120 anuais. Isso representa que cada etíope tem, para fazer face às suas necessidades básicas, algo mais ou menos em torno de Cr$ 336 mil por ano, ou Cr$ 28 mil por mês, ou seja, sete vezes e meia menos do que um salário mínimo brasileiro (que por sinal já é bastante miserável). Com apenas isso, tem que prover sua casa de alimentos, medicamentos, roupas e ainda instruir seus filhos. Como? É a pergunta que surge naturalmente.
A conseqüência é que 90% da população da Etiópia é composta de analfabetos. Em cada mil crianças nascidas (e estes dados são do Censo de 1980, quando a atual calamidade ainda não se tinha manifestado) 85 morrem, numa das mais altas taxas de mortalidade infantil mundiais. O país quase não tem estradas e mais da metade das que possui são autênticas picadas, por entre montes pedregosos e escarpados.
Com toda essa carência, seria lícito de se supor que a maior parte do reduzido orçamento nacional fosse revertida em assistência social. Qual nada! Na verdade, o tópico "Defesa" leva a "parte do leão", tendo sido destinados, em 1980, pouco mais de 10% do PNB (que é a soma de toda a riqueza etíope em todos os tempos), algo em torno de US$ 385 milhões, para armamentos e manutenção do aparato militar, o que é uma fortuna se comparados aos US$ 3,64 bilhões do Produto Nacional Bruto.
E é de se ressaltar que o caso da Etiópia ainda não é o pior. Outros governos têm gerido de maneira ainda mais desastrada seus reduzidos recursos, tornando seus respectivos concidadãos ainda mais dependentes do que o povo etíope. O que se torna urgente fazer agora, portanto, é em primeiro lugar evitar que tamanha mortandade pela inanição se configure. E depois, que as superpotências, que usam esses povos ignorantes e desassistidos como autênticos peões estratégicos, deixem de lado seu cinismo e, ao invés de armas e assessores militares, mandem a essas nações carentes tratores, sementes, colheitadeiras, professores, médicos e técnicos agrícolas. Caso contrário, esse triste espetáculo, digno da pena do autor da "Divina Comédia", Dante Aligheri, haverá de virar rotina, ante os olhares indiferentes e frios das cínicas sociedades do consumismo e do desperdício.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 4 de dezembro de 1984)
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