Friday, December 07, 2012

O nômade da arte

Pedro J. Bondaczuk

Os gênios, os sumamente talentosos, os excepcionalmente criativos apresentam, em geral, uma característica que os diferencia das pessoas digamos “normais”: uma permanente inquietação. Claro que esta não é nenhuma regra inflexível, que valha para todos e em todas as ocasiões. Afinal, a vida não é simples e nem mecânica, como um problema de matemática, por exemplo, que possa ter todas as questões que imponha solucionadas mediante fórmulas fixas e infalíveis. Antes fosse. Há exceções, e muitas, como convém, aliás, a toda boa regra.

Há gênios pacatos e equilibrados, que sabem o que querem, que buscam fazer (e fazem com perfeição) o que se propuseram com equilíbrio, confiança e tranqüilidade. É como se diz no popular: “confiam no seu taco”. Mas boa parte das pessoas geniais (pelo menos das quais tive o privilégio de conhecer e admirar) é inquieta, agitada, não raro até dispersiva, sempre à procura de algo que quase sempre nem mesmo sabem definir o que é.

Das anotações que fiz, extraídas das várias biografias de Georg Friedrich Haendel que li, pude deduzir que o compositor de “O Messias” era assim. Ou seja, inquieto, agitado e curioso, sempre à procura de algo. Uma de suas preferências, ao que parece, era a de viajar. Estava o tempo todo com o “pé na estrada”. Isso, pelo menos, quando era jovem, antes de se fixar, de vez, na Inglaterra, mais especificamente, em Londres.

Deduzi que detestava parar por muito tempo num mesmo lugar. Recorde-se que naquele tempo, início do século XVIII, as viagens eram demoradas, perigosas e exaustivas. Os meios de transporte eram rústicos e desconfortáveis e as estradas sequer mereciam essa pomposa designação. Não passavam, salvo exceções, de trilhas rústicas, pedregosas, esburacadas e lamacentas em época de chuvas. Não era como agora, quando a bordo de um avião, com todo o conforto e luxo que se possa desejar, você chega a determinada cidade distante em questão de horas. Naquele tempo, o mesmo percurso era feito em semanas.

Os veículos utilizados nessas viagens – e isso dentro da Europa, como era o caso de Haendel – eram, para trajetos mais longos, instáveis e desconfortáveis (para os padrões de hoje) carruagens, em que o passageiro deveria se sentir como se estivesse em uma betoneira (se essa máquina de misturar concreto fosse conhecida então) de tanto que eram sacudidos. As paradas eram freqüentes, para descansar e alimentar os cavalos e para que os viajantes pudessem ter uma pausa daquela tortura, se alimentar, desapertar etc. Os acidentes eram comuns e não raro as viagens não terminavam bem. Viajar hoje é uma moleza. Mas naqueles idos do século XVIII... era uma aventura.

Haendel, todavia, gostava disso. Sempre que o tempo e as condições materiais permitiam, lá estava ele viajando. E os pretextos eram os mais diversos. Ora era para conhecer algum compositor célebre, ora para buscar inspiração para uma nova composição musical, ora para “descansar”, o que, levando em conta o fato das viagens serem tão cansativas, me parece enorme contradição. Mas...

O fato é que, nessa fase da sua vida, Haendel era uma espécie de “nômade” da sua arte. Vivia com os pés na estrada. Só que, em cada uma dessas viagens, ia espalhando o fruto do seu inquestionável e assombroso talento, onde quer que passasse. Enquanto tantos compositores, muito menos talentosos do que ele, precisavam (e precisam) de paz e isolamento para compor, esse gênio o fazia onde quer que estivesse: a bordo de carruagens, nas estalagens em que parava, nas casas de amigos etc. Daí sua obra ser tão imensa, de mais de 600 composições. Mas seu diferencial foi o fato de aliar à quantidade, uma superior qualidade. Por isso não é nenhum exagero classificá-lo como ícone do Barroco europeu.

Em 1707, por exemplo, Haendel empreendeu turnê pela Itália. Hoje é fácil para os astros de rock programarem, e realizarem, esses giros artísticos por várias cidades, até mesmo de mais de um continente. Mas naquele tempo, início do século XVIII, era façanha para pouquíssimos. Sempre que se trata de algum personagem de um passado já tão remoto, é indispensável contextualizar-se seus feitos. O que é simples hoje, era tarefa digna dos doze trabalhos de Hércules em tempos já tão distantes.

Em Roma, Haendel participou do movimento “Arcádia”. Deteve-se naquela cidade por um bom período, até que seu espírito inquieto o movesse a seguir adiante. Em Florença, estreou a ópera “Rodrigo”. Foi a consagração. Foi muitíssimo aplaudido e elogiado. Sua fama já se espalhava por boa parte da Europa. Num piscar de olhos, estava se tornando uma celebridade. Em Veneza, não estreou nenhuma nova composição, mas satisfez um dos seus caprichos: passeou de gôndola pelos canais dessa pitoresca cidade. Pode-se afirmar, sem receio de equívoco, que foi na Itália que Haendel conheceu, pela primeira vez, o gostinho da fama. E, pelo jeito, apreciou muito esse “sabor”.

Em 1711, o genial compositor viajou, pela primeira vez, para a Inglaterra. Só que esta viagem, ao contrário das tantas outras, iria mudar, em futuro próximo, toda a trajetória da sua vida. Faria, entre outras coisas, que ele se apaixonasse por esse país, tido e havido como frio e até um tanto hostil, mas no qual Haendel viu um encanto inusitado, que o fez se apaixonar. Aliás, foi paixão recíproca. Mas, por tratar-se do clímax destas considerações, deixo para tratar desse assunto, com mais vagar e detalhes (afinal, um pouquinho de suspense não faz mal a ninguém), em outra ocasião.



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