Pedro J. Bondaczuk
O primeiro-ministro espanhol, Felipe Gonzalez, ao que tudo indica, deverá conservar a sua maioria parlamentar, nas eleições de amanhã, perdendo, quando muito, entre dez e quinze cadeiras. As pesquisas de opinião, porém, são um pouco mais severas em relação aos socialistas e prevêem que a perda pode chegar até a 22.
De qualquer forma, não será nada dramático, principalmente se for levado em conta que o poder desgasta o seu detentor, ainda mais quando quem o assume tem diante de si a enorme soma de problemas que o premier teve que enfrentar, desde outubro de 1982.
O plebiscito realizado em março passado, para decidir se a Espanha deveria ou não continuar na Organização do Tratado do Atlântico Norte, foi uma prova de força, superada com rara felicidade por Felipe Gonzalez. Não que a permanência na aliança militar européia fosse algo fundamental para o país ou que fosse lhe trazer outras vantagens, além das simpatias dos seus pares. Mas porque serviu para que o líder socialista pudesse medir em que pé estava o seu prestígio, após quatro anos no governo.
Ao decidir, em abril, autorizar as eleições gerais, inicialmente previstas para outubro próximo, o primeiro-ministro demonstrou ser, sobretudo, um grande estrategista. Não pelos motivos alegados pela oposição, que afirma que essa antecipação foi feita para aproveitar a distração que a Copa do Mundo do México iria representar para o eleitorado.
Conforme esse argumento, a população, inebriada com os seus astros da bola, deixaria de lado os assuntos políticos, beneficiando o Partido Socialista Operário Espanhol, agremiação do governo. Isso pode ser classificado, de acordo com uma expressão tipicamente castelhana, como uma ingênua "tonteria".
Como Gonzalez poderia prever, por exemplo, em abril, que foi quando decidiu antecipar as eleições gerais, que o seu selecionado nacional iria ter tamanho sucesso na disputa? Como poderia adivinhar que cruzaria com a Dinamarca e que desmontaria essa verdadeira "máquina" de jogar futebol, que encantou a platéia esportiva do mundo inteiro? Seria impossível.
O que Gonzalez pretendeu, e ao nosso ver conseguiu, com rara felicidade, foi aproveitar o inesperado apoio obtido junto ao eleitorado durante o plebiscito, para a sua tese, a princípio vista com desconfiança pela população. Com isso (deve ter raciocinado) seria possível economizar uma campanha. Afinal, em apenas três meses, eleitor algum, por mais alienado ou volúvel que seja, esquece uma mensagem e nem muda de lado com tanta rapidez. Agindo dessa forma, não precisou sequer se afastar de suas funções governamentais, reservando somente os fins de semana para percorrer o país e fazer seus comícios.
Caso o pleito fosse mantido para o mês de outubro, conforme estava previsto, muita coisa que desagrada atualmente à população espanhola poderia ganhar maiores dimensões. E aí a supremacia do PSOE estaria realmente correndo sérios riscos. Como a controvertida questão, por exemplo, da tentativa do Estado de intervir na educação, que provocou, recentemente, uma enorme manifestação popular de protesto, realizada em Madri, com a participação de cerca de 500 mil pessoas. Ou a impotência do governo em deter o terrorismo basco, que além de inquietar os espanhóis, está trazendo prejuízos à sua economia, ao espantar os turistas da chamada "Costa do Sol" e outros problemas que poderiam ser destacados ou surgir eventualmente no horizonte político da Espanha.
A jogada de Felipe Gonzalez, portanto, foi digna de um "Butragueño", o lépido atacante espanhol, um dos artilheiros da Copa do México, conhecido pelos torcedores do Real Madrid como "El Sombra", por aparecer sempre inesperadamente na frente do gol, quando nenhum zagueiro espera. E dificilmente deixará de ter, nas urnas, o mesmo sucesso que esse craque vem tendo nos gramados mexicanos.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 21 de junho de 1986)
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