Thursday, December 20, 2012

Gostar de (e saber) escrever

Pedro J. Bondaczuk

O ato de escrever tem conotações diversas para as pessoas, dependendo de sua formação, cultura, visão de mundo e outros tantos fatores. Umas gostam e são obcecadas pelo texto, mesmo que, não raro, tenham sérias e múltiplas dificuldades de redação (geralmente por não dominarem adequadamente as regras que regem o idioma, mas não somente por isso). Outras contam com esse domínio, têm a gramática na ponta da língua, seu vocabulário é de fazer inveja ao mais prolífico dicionarista, mas... Detestam registrar idéias, observações e experiências por escrito. E as razões variam.

Isso ocorre ou por falta de traquejo, por não se exercitarem, como poderiam, na escrita; ou porque não suportam ficar horas e horas à frente de um teclado de computador (ou de folhas de papel em branco) alinhavando palavras e preferem atividades mais dinâmicas, físicas, ao ar livre; ou então se dedicar a diálogos cara a cara; ou por medo de censura e até do ridículo por não confiarem em sua cultura e em seu acervo de conhecimentos e vai por aí afora. Os motivos, com as respectivas variantes, são inúmeros.

É até redundante destacar a importância para o homem, para toda a comunidade humana e, por extensão, para a civilização, da palavra escrita. Sem ela, todo o conhecimento acumulado por gerações se perderia irremediavelmente após a morte dos que o acumularam somente na memória. Muita coisa, aliás, se perdeu. O poeta russo Joseph Brodsky – cujo nome de batismo é Iosif Alexandrovitch Brodsky – ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1987, considera que “escrever é um acelerador de consciência, de pensamento e de compreensão do Universo”. De fato, é. Teoricamente, todo indivíduo convenientemente alfabetizado, está apto a fazê-lo. Mas, na prática, está mesmo? Claro que não! Pelo menos não a ponto de produzir obras literárias inteligentes, e consistentes, que lhe sobrevivam mesmo que por tempo escasso.

Juntar letras para formar palavras e, com estas, compor sentenças, orações, períodos, parágrafos, capítulos e livros com conceitos úteis, inteligentes e atrativos é uma arte. E que arte! Além do que, é atividade “traiçoeira”. Quantas vezes achamos que determinado texto que escrevemos é lapidar, perfeito, à prova do mínimo reparo (na forma e no conteúdo) no entanto, os que o lêem consideram-no uma sucessão de lugares comuns, de obviedades e de redundâncias, mesmo sem sê-lo! Dependemos do julgamento alheio e, pior, estamos nas mãos de julgadores que não conhecemos e que, provavelmente, jamais viremos a conhecer. É uma roleta-russa! Nestes casos, o que pensávamos que nos conferiria glória e imortalidade, muitas vezes nos roja ladeira abaixo rumo ao ridículo. A Literatura, portanto, exige de nós cautela e eterna vigilância, para não sermos cegados por esta traiçoeira inimiga dos vencedores: a exacerbada vaidade.

Nessa atividade, concordem ou não, somos sempre alunos, perpétuos aprendizes. A insegurança nos acompanhará por todos os anos de nossa vida, mas, se ela não for levada a extremos, será não nossa algoz, mas nossa aliada. Ou seja, será fator positivo. Leon Tolstói (provavelmente irritado com a bajulação de algum puxa saco de plantão, sabe-se lá), escreveu, certa feita: “Eu não sou um mestre. Sou simplesmente irmão de todos os homens no seu sofrimento e na sua procura da verdade”. E ele bem que poderia ostentar ares de “sabe tudo” das letras. Sua obra o credenciou a isso. Nossa postura deveria ser a dele. Ou seja, a de nos sentirmos irmãos de todos os homens no seu sofrimento e na sua procura da verdade, não somente para confortá-los, mas para orientá-los e esclarecê-los na medida da nossa capacidade.

A responsabilidade de um escritor é imensa. Seus textos tanto podem esclarecer um milhão de dúvidas de muitos, ensinar uma quantidade inconcebível de pessoas, alegrar suas vidas, trazer-lhes informações essenciais e embeber suas almas de beleza e transcendência, quanto induzir multidões ao erro, sugerir vícios, induzir irracionais à violência e, em casos extremos, ser a causa indireta até de suicídios. Claro que nenhum escritor maluco faz isso deliberadamente. E, se fizesse, o editor que publicasse seus livros seria mais do que cúmplice: seria o agente direto dessas barbaridades. Todavia, há muita obra aparentemente inofensiva que, dependendo das mãos em que caem (e é impossível de saber em quais cairá), pode produzir (e de fato produz) os estragos que citei. Responsabilidade é o que mais se exige dos que gostam, sabem e se empenham em escrever.

Por isso, não me causa nenhum espanto esta declaração da excelente Clarice Lispector: “Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar”. Ao contrário do que se possa supor, não se trata de mera retórica da autora, de algo para causar escândalo e fazer gênero. Também tenho medo, muito medo de escrever, embora o faça tanto e, por isso, com insegurança constante e multiplicada.

O que se diz, embora dependendo do teor do que é dito pode arruinar reputações e até causar sangrentas guerras, nem sempre provoca – não necessariamente – esses efeitos ruins, mesmo que seu teor seja deliberadamente destrutivo. Pode-se alegar, por exemplo, que não se disse o que muitos ouviram. Ou, o que é mais freqüente, que o interlocutor ouviu mal etc. A menos que o que foi falado seja gravado, o irresponsável boquirroto pode escapar incólume da punição a que faz jus. Mas o que é escrito... Vai tudo depender em que mãos o tal texto irá cair. E seu destino é imprevisível, fortuito, aleatório. Nunca se sabe quem e quantos irão ler o despautério registrado em letras de forma. É inteligente arriscar? Ora, ora, ora.

Jonathan Swift observou com sapiência como nossa obra literária pode vir a ser interpretada. Escreveu: “Como é inteligente esse escritor quando diz aquilo que pensei durante toda a vida!” Essa é a provável reação de quem gosta das nossas idéias, posto apenas por serem também exatamente as suas. E quando elas não são? Como o leitor, via de regra, reage? E se a maioria for contrária a tudo o que pensamos e escrevemos? O que acontece? De duas, uma: ou caímos no absoluto esquecimento, ou, pior, despencamos no abismo do irremediável ridículo, por mais verdadeiro, útil e construtivo que seja um texto nosso: uma crônica, um conto, um ensaio, um livro etc.

Não me causa, pois, nenhum espanto este desabafo de outro monumento das letras nacionais, que é Lygia Fagundes Telles: “Digo sempre que há três espécies em extinção: o índio, a árvore e o escritor, esse marginalizado. É duro ser escritor num país com um índice tão alto de analfabetismo!”. As causas desse “perigo”, (e espero que não iminente), todavia, convém tratar, com maiores detalhes e vagar, em ocasião mais propícia.

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