Tuesday, December 18, 2012

Altos lucros e... exemplos

Pedro J. Bondaczuk

A apicultura é uma das atividades econômicas mais antigas do homem. Sua origem perde-se nas brumas da História e tem tanto tempo que é impossível de ser determinada, pois antecede a criação da escrita e, provavelmente, até a invenção da roda, entre tantos e engenhosos avanços deste animal tido e havido como o único ser inteligente da natureza. Embora o processo de criação de abelhas, com vistas à extração do mel e de outros derivados (própolis, cera, geléia real etc.) pouco tenha mudado, métodos mais racionais de cultivo multiplicaram a rentabilidade, principalmente mediante a associação de atividades, com mútuos e permanentes benefícios.

Refiro-me à chamada “Apicultura migratória”. Trata-se de feliz e inteligente conjunção entre a criação de abelhas propriamente dita e a fruticultura. Explico. É sabido que uma das funções das abelhas, tão importante ou mais do que a produção do mel e seus derivados, é a de ser agente polinizadora de grande número de plantas, assegurando sua reprodução. Pensando nisso, produtores de frutas – notadamente de laranjas, cujo suco é altamente cotado no mercado internacional – com vistas à produção de frutos de melhor qualidade e de árvores com maior resistência e produtividade, tiveram a idéia de instalar apiários nos laranjais. Mas não os permanentes, como os dos apicultores, porém os migratórios.

As colméias, portáteis (padronizadas, desenvolvidas após cuidadosas pesquisas científicas, o que faz delas racionais, seguras e de fácil manejo) e, portanto, removíveis e transportáveis, são instaladas nos pomares na época da floração dos pés de laranja. E o benefício é duplo. Tanto as frutas são beneficiadas em todos os sentidos, quanto a produção do mel é favorecida, dada a fartura de pólen para a utilização das abelhas como matéria-prima. E o benefício não se restringe à quantidade do produto. É também, e principalmente, o da qualidade. Os nutricionistas e terapeutas sabem muito bem a importância do “mel de flor de laranjeira”, em especial das suas propriedades nutricionais e de sua ação preventiva (e curativa) para diversas moléstias.

O leitor leigo deve estar se perguntando por que não se mantêm apiários permanentes nos laranjais, se há tantos benefícios tanto para a apicultura, quanto para a fruticultura. Afinal, a remoção das colméias e seu transporte para outro lugar – e não pode ser qualquer um, mas tem que ser repleto de flores – exige cuidados especiais e pode ser feita, apenas, por pessoas especializadas e muito bem treinadas. A razão é simples. Finda a floração das laranjeiras, as abelhas ficam privadas do pólen. Em três tempos, acabarão consumindo todo o mel que produziram. Como a próxima florada irá demorar pelo menos um ano, após consumirem todo o estoque, os insetos, fatalmente, morrerão de fome.

Bem, a menção aos apiários migratórios fornecem-me oportuno gancho para tratar, mais uma vez, da principal personagem desse já longo enredo: as abelhas operárias. Como quem escreve sabe de sobejo, um assunto puxa outro e assim se produzem crônicas, artigos, ensaios etc. É o processo que mais me fascina em literatura. Pois, aproveitemos mais este pretexto.

As abelhas operárias passam por quatro fases em sua curta e utilíssima vida. Nelas, vão sendo sucessivamente promovidas nas funções que lhes cabe exercer, à medida que vão aumentando as aptidões. Na primeira fase de vida sua tarefa é a de limpeza da colméia, que dura “intermináveis” quatro dias (e são dias mesmo!), que os entomólogos convencionaram chamar de período de “faxina”.

Na segunda etapa, elas assumem a função de “nutrizes”: compete-lhes alimentar a rainha, os zangões e, principalmente, os “bebês”, ou seja, as larvas. Para se ter uma idéia do trabalho que isso lhes dá, basta informar que cada embrião tem que ser alimentado mil vezes por dia. E estes contam-se aos milhares. Isso é que é trabalhar! Destaque-se que a rainha gera, em média, 3 mil desses “bebês” por dia. Portanto, as jovens operárias terão servido, ao cabo de uma semana, pelo menos 21 milhões de “refeições”. É só fazer as contas: 3.000 x 7 x 1.000.

Essas incansáveis trabalhadoras passam dez dias (que pelo volume de trabalho equivaleria a cem anos de atividade ininterrupta de um operário humano) nessa função. Depois disso vem o descanso? Quem dera! Depois disso, a abelha operária é promovida a “engenheira”. Fica encarregada da produção de cera, com a qual fabrica os favos onde o mel será armazenado, um por um, paciente e simetricamente, como perfeita, inigualável e admirável obra de arte (que de fato é). A precisão é tamanha que envergonharia o mais meticuloso, preciso e hábil engenheiro humano. Sábia natureza!

Além disso, cabe às operárias, nessa etapa, a manutenção de temperatura adequada no interior da colméia. A maneira como elas executam isso, nenhum entomólogo conseguiu descobrir. É um mistério! O fato é que, seja inverno ou verão, esteja nevando o fazendo sol de estralar mamona, o interior do domo das abelhas permanece sempre igual. A temperatura oscila, apenas, em três graus, para mais ou para menos. Fica entre os 30 e 36 graus, sendo a média de 33 graus.

É, todavia, na parte final da sua vida que cabem, às abelhas operárias, as funções mais árduas (mais ainda?!!!). Elas tornam-se “forrageiras” ou “campeiras”. Ou seja, passam a trabalhar fora da segurança e do conforto das colméias. E no que consistem essas novas tarefas? Em muitas coisas. Como, por exemplo, a coleta de água para abastecer a colméia. Ou como o recolhimento de néctar para produzir o mel. Ou como a produção da própolis, para desinfetar e manter a saúde do seu “lar”. E, de lambuja, cabe-lhes a responsabilidade de assegurar a segurança da colméia, valendo-se do seu ferrão que, no entanto, lhe é vital. A abelha, após ferroar algum intruso, morre, não tem salvação. Portanto, além de trabalhar tanto, ao longo de toda sua curtíssima vida, de reles duas semanas, não raro é levada a abreviá-la, atacando invasores, para assegurar a sobrevivência do resto do enxame. Ufa! Só de descrever tanta atividade, já me cansei à beça.

O encerramento em alto nível desta série de reflexões deixo por conta da genialidade do saudoso “poetinha”, Vinícius de Moraes, com esta pérola de poema, que partilho com vocês, para sua meditação e prazer neste final de semana:

O girassol

Vinícius de Moraes

“Sempre que o sol
pinta de anil
todo o céu
o girassol
fica um gentil
carrossel.
O girassol é o carrossel das abelhas.
pretas e vermelhas
Ali ficam elas
brincando, fedelhas
nas pétalas amarelas.
— Vamos brincar de carrossel, pessoal?
— "Roda, roda, carrossel
Roda, roda, rodador
vai rodando, dando mel
vai rodando, dando flor"

— Marimbondo não pode ir que é bicho mau!

— Besouro é muito pesado!

— Borboleta tem que fingir de borboleta na
entrada!

— Dona Cigarra fica tocando seu realejo!
— "Roda, roda, carrossel
Gira, gira, girassol
redondinho como o céu
marelinho como o sol".

E o girassol vai girando dia afora . . .

O girassol é o carrossel das abelhas”

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