Sunday, June 03, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Reação tardia


Reação tardia

Pedro J. Bondaczuk

As comunicações e os transportes são essenciais em qualquer país, ainda mais em se tratando do Brasil, cujas dimensões são continentais. A manutenção desses dois sistemas em perfeito funcionamento é imprescindível para o bom andamento da vida econômica e até para a manutenção da ordem pública e da paz social. No entanto, no tenso mês de julho, verificou-se um sério colapso exatamente nesses dois críticos setores, trazendo sérios contratempos e graves prejuízos para milhões de brasileiros.

Primeiro, foi com a mudança na forma de discagem do DDD, para telefonemas interurbanos e internacionais. Em si, essas alterações eram necessárias e bem vindas. Estabeleceram o saudável princípio da concorrência, com potenciais benefícios para os consumidores. O que deixou a desejar foi a forma de implantação do novo sistema. De pouco valeu, e até mesmo atrapalhou, a massiva propaganda feita antes e durante o processo. As operadoras, ao contrário do que davam a entender até a véspera, não estavam tecnicamente preparadas para a mudança. E foi o que se viu: um caos.

Dias depois, os caminhoneiros autônomos surpreenderam o País, bloqueando as principais rodovias de 16 Estados, por onde circula, praticamente, a totalidade da riqueza brasileira. Bastaram três dias apenas para que se verificassem os primeiros sintomas de desabastecimento dos principais gêneros, como alimentos e combustíveis. Inúmeras indústrias ficaram sem matérias-primas e tiveram que paralisar temporariamente a sua produção. Os prejuízos reais são impossíveis de se quantificar. Podem ser, somente, estimados, numa estimativa, aliás, bastante precária.

Nos dois casos, o que se verificou foi uma irritante lentidão do governo para agir. Na mudança do sistema de DDD, era indispensável que a Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel, se certificasse que as empresas envolvidas estavam preparadas para o processo, para só então confirmar a data da sua deflagração. Parece que isso não ocorreu na prática. E deu no que deu. Foram contratempos perfeitamente evitáveis ou que poderiam ser em volume muito menor do que o registrado.

Na questão da greve dos caminhoneiros, o Planalto abriu negociações somente três dias depois do movimento haver começado, subestimando, ao que parece, a coesão da categoria e o alcance que o movimento teria e de fato teve. Só quando a corda já estava no pescoço e o abastecimento de gêneros essenciais corria risco iminente de total colapso, é que as duas partes se sentaram ao redor de uma mesa para abrir o indispensável diálogo.

Essa lentidão na tomada de decisões, essa espécie de letargia, de preguiça mental para resolver questões urgentes e que não podem ser proteladas, infelizmente, tem sido a marca registrada, a principal característica do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. E parece que isso se acentuou neste segundo mandato. Junto com a crise econômica, que parece não querer ceder, esse vezo do nosso comandante maior, em retardar o que não pode ser retardado, é um dos grandes motivos da vertiginosa queda da sua popularidade.

Onde estão, por exemplo, as apregoadas reformas constitucionais, que iriam consolidar o Plano Real? As que foram aprovadas --- e foram precisos quatro longos e desgastantes anos para isso --- estão muito distantes de satisfazer as reais necessidades do País. São monstrengos desfigurados dos projetos originais e terão que ser melhoradas mais para a frente. São os casos específicos das reformas previdenciária e administrativa. Ao que parece, para complicar as coisas, as duas carecem ainda da devida regulamentação, para que possam gerar efeitos.

E o que dizer do desemprego, colocado, durante a campanha de reeleição, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, como prioridade número um do novo governo? E o que vem sendo feito a respeito? Quais os incentivos que as empresas estão recebendo (em especial as pequenas e médias, responsáveis pela absorção de 60% da mão de obra), não somente para admitirem novos funcionários, mas ,e principalmente, para deterem as demissões? Ao que se saiba, nenhum. É preciso, e indispensável, portanto, que FHC mude seu estilo. Se o fizer, pode, a despeito de tudo o que de ruim aconteceu e vem acontecendo, se consagrar como o melhor presidente que o País já teve. Caso contrário...Só nos reatará rezar.

(Editorial publicado na Folha do Taquaral na primeira quinzena de agosto de 1998)


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