Histórias
que a vida cria
Pedro
J. Bondaczuk
Há
determinados escritores cujas vidas são mais repletas de aventuras e
circunstâncias ( boas e más) do que os enredos que criam em seus
romances, contos e novelas. Muitos aproveitam essas experiências
pessoais, adaptando-as, com seu talento, e produzem obras imortais,
best-sellers, cujas raízes estão fincadas bem fundas na veracidade.
Outros tantos, aproveitam um ou outro episódio para esse fim e
também se dão bem.
Não
é a primeira – e certamente não será a última – vez que faço
essa constatação. Tenho trazido, até com frequência, exemplos e
mais exemplos a esse propósito. Muitos dos meus melhores contos
tiveram, também, essa origem. Ou seja, baseiam-se em fatos reais, em
episódios que vivi e que mereceram registro. Foram histórias que a
vida criou e que eu me limitei a registrar por escrito, dando-lhes os
devidos retoques literários.
Um
dos escritores que se valeram da própria experiência, do que
testemunhou e viveu para produzir magníficos textos dramáticos, foi
o norte-americano Eugene Gladstone O’Neill. E o que escreveu teve
tamanha qualidade, que lhe rendeu justíssimo Prêmio Nobel de
Literatura.
O
genial dramaturgo nasceu em 16 de outubro de 1888, no quarto número
236 do terceiro andar da Barret House, pensão familiar situada na
Broadway, em Nova York, ocupada quase que exclusivamente por atores
que atuavam nos diversos teatros desse popular bairro novaiorquino. O
próprio local do seu nascimento pareceu indicar qual seria seu
destino, anos depois: o palco. Não como ator, como era o caso do
pai, mas como criador de magníficos dramas, encenados não apenas
nessa “Meca do teatro”, mas pelo mundo afora.
A
família de Eugene não tinha residência fixa. O pai, James,
descendente de irlandeses, católico fervoroso e homem de grande
talento, era uma espécie de cigano, vagando pelo país com as várias
companhias de teatro que integrou. Os que o conheceram testemunharam
que esse ator era o caso típico do sujeito que desperdiçava o
talento que tinha, errando, frequentemente, nas escolhas que fazia.
Mas não se tratava de nenhum ator canastrão. Era, na verdade, muito
bom no que fazia.
Sua
especialidade eram as peças de William Shakespeare. James O’Neill
era soberbo, por exemplo, na interpretação do principal personagem
de “Otelo”, entre tantos outros criados pelo gênio de
Stratford-on-Avon. Entretanto, fascinado pelo dinheiro fácil,
preferia, via de regra, trabalhos menos exigentes. Seu personagem
predileto, por exemplo, era o convencional Edmund Dantes, de “O
conde de Monte Cristo”, peça que então gozava de grande
popularidade nos Estados Unidos, percorrendo a América de costa a
costa.
A
vida de James era a de um nômade urbano, abrigando-se numa
interminável sucessão de pensões e mais pensões, baratas,
desconfortáveis e sombrias e hotéis de terceira categoria, sem uma
raiz para se fixar e constituir família. A mãe de Eugene, Ella
Quinlan, é quem sofria as consequências desse tipo de vida instável
e inseguro. Era mulher frágil, delicada, instruída e de grande
religiosidade.
Para
casar-se com James, rompeu com tudo o que lhe fora caro
anteriormente. Abandonou, sobretudo, uma vida de conforto, elegância
e luxo, já que era filha de um rico comerciante que nunca deixara de
satisfazer seus mais complicados caprichos. O amor... ah, o amor!
Dada sua posição, Ella, antes de conhecer James e se apaixonar por
ele, frequentava as mais requintadas rodas sociais.
Ao
casar-se, no entanto, deixou tudo para trás. Rompeu com a família,
com os amigos e com tudo o que lembrasse seus sonhos de juventude.
Destaque-se que, naquele tempo, os atores eram socialmente
discriminados. Eram encarados como vagabundos, irresponsáveis,
dissolutos e imorais. Claro que nada disso era verdade. Mas era assim
que as pessoas pensavam.
Quando
Ella deu à luz a Eugene, já era viciada em morfina. Começou a
consumir a droga após a morte do segundo filho, Edmund, que morreu
na casa de seus pais com poucos meses de idade, enquanto acompanhava
o marido em uma de suas tantas turnês. O sentimento de culpa que a
assaltou foi avassalador. Jamais apagou-se da sua mente. Para
“acalmar os nervos”, passou a consumir morfina secretamente. A
primeira vez que Ella consumiu a droga foi quando deu à luz a
Edmund. Nunca conseguiu se livrar do vício.
O
primeiro filho do casal foi James, que tinha o mesmo nome do pai,
nascido dez anos antes de Eugene. Ele praticamente nunca viveu com o
casal. Ainda muito criança, foi internado no Colégio Notre Dame, em
Nova York. Só conheceu Eugene três meses após seu nascimento,
quando os pais o levaram ao internato, em uma de suas raras e
esporádicas visitas. A esta altura, já era um garoto problemático,
rebelde e insubordinado, que nutria acentuado sentimento de rejeição.
Pudera!
A
vida de Eugene não foi muito diferente da do irmão mais velho. Até
os sete anos, foi criado pelos avós, vendo os pais raramente e, por
isso, não nutrindo nenhuma espécie de afeição mais profunda por
eles. Nessa época, foi mandado para um internato católico, dirigido
por freiras, em Nova York, o Mount Saint Vicente. Como o irmão,
desenvolveu profundo sentimento de rejeição. Ali, na rígida
disciplina do colégio, com as religiosas agindo de maneira
competente, mas impessoal, o menino tornou-se triste, arredio e um
tanto sombrio. Talvez essas circunstâncias expliquem e justifiquem o
gosto que viria a desenvolver, anos depois, já escritor consagrado,
pelo drama, notadamente, pela tragédia. Oportunamente, voltarei ao
assunto.
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