Thursday, June 28, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Otimismo exagerado


Otimismo exagerado


Pedro J. Bondaczuk


O pretenso "melhor Natal do real" parece, ao que tudo indica, não passar de excesso de otimismo da equipe econômica do governo, senão mais uma marota tentativa dos "marqueteiros" de plantão para melhorar a imagem, e por consequência a popularidade, do presidente Fernando Henrique Cardoso. Pelo menos é o que mostram dados preliminares do comércio, que não vendeu tanto quanto esperava vender neste mês de dezembro. É certo que há, ainda, alguns dias para o encerramento do período de festas, com possibilidades, portanto, de bons negócios. E como o brasileiro deixa tudo para a última hora...Quem sabe?!

Não se pode negar, é verdade, que os principais shoppings de São Paulo e do Rio de Janeiro, e as lojas mais tradicionais do centro das duas cidades, vêm tendo grande afluência de potenciais compradores. Se todos comprassem... Todavia, a maioria dos que param em frente das vitrines, para ver as novidades e ofertas natalinas (com preços não tão convidativos como seria de se esperar, é bom que se destaque), não se dispõe a comprar coisa alguma. Há setores, como o de eletro-eletrônicos, por exemplo, que talvez não tenham do que reclamar. Mas a maioria... Parece, pois, que o período será "gordo" somente para os camelôs.

A propalada queda das taxas de desemprego no País (se é que realmente ocorreu), foi meramente residual. Recuperaram-se pouquíssimas vagas, comparadas com as que foram perdidas nos últimos dois anos. E as admissões não foram uniformes, havendo regiões em que elas sequer ocorreram. A suposta recuperação do emprego deve ter acontecido, isto sim, por conta da contratação de trabalhadores temporários, tendo em vista o período de festas de fim de ano. Ademais, parte considerável daqueles que retornaram ao mercado de trabalho, depois de um longo e tenebroso período ausente dele, preferiu resgatar créditos, "limpar" o nome na praça e poupar alguns trocados (sempre que possível), quando não liquidar velhas e incômodas dívidas. Para as compras de presentes, ao que parece, pouco, ou nada, restou.

Na verdade, a economia vem dando sinais bastante preocupantes da iminência de nova crise. A decisão do governo chileno de aderir ao mercado comum das Américas (a ALCA), em detrimento do Mercosul, abalou seriamente as estruturas deste último, mesmo o Chile não sendo integrante oficial do acordo, mas mero parceiro de ocasião. Há, até, quem diga que a decisão do presidente Ricardo Lagos selou, de vez, a sorte de mais esta tentativa regional de parceria econômica.

Caso isso venha, de fato, a ocorrer, será uma pena e, mais do que isso, um desastre para as economias fragilizadas, e em processo de lenta e gradual recuperação, do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Os quatro países vão perder a maior chance que já tiveram em suas histórias para negociar, de igual para igual, com os grandes blocos econômicos mundiais e, principalmente, com os Estados Unidos.

Um dos indicadores de que as coisas não andam bem foi a vertiginosa desvalorização do real, em relação ao dólar, verificada nos últimos dias, chegando a cotação da nossa moeda a ultrapassar a barreira psicológica dos R$ 2,00. É certo que o fenômeno deve favorecer nossas exportações, que mais uma vez não conseguiram "decolar", como o governo pretendia, fazendo com que, novamente, nosso saldo da balança comercial fosse deficitário, a despeito da meta de superávit assumida com o Fundo Monetário Internacional.

Fica, até mesmo nos mais ferrenhos defensores do governo, a desagradável sensação de fracasso do Plano Real, que pôs fim, não se nega, a um prolongado e perigoso processo inflacionário, de quase quinze anos de duração, mas foi absolutamente incapaz de propiciar condições para a indispensável retomada do nosso desenvolvimento. Em 2001, com ou sem razão, o atual modelo será, com certeza, ampla e severamente questionado em palanque, notadamente pelas esquerdas, com vistas às eleições presidenciais de 2002.

Ainda mais se, de fato, o Mercado Comum do Cone Sul acabar implodindo e sendo simplesmente "enterrado", em razão de picuinhas, de arraigados antagonismos sem pé e nem cabeça e de divergências internas ditadas mais por infantis intransigências, do que por questões econômicas práticas e substanciais. O fim dessa experiência de pouco mais de dez anos, que requer, sim, ajustes, tornará os países que integram o Mercosul, e por extensão toda a América Latina (dada a inequívoca liderança continental principalmente de Brasil e Argentina) enfraquecidos e impotentes nas negociações com europeus e norte-americanos.

O que os Estados Unidos querem, de fato, com a ALCA, é criar novos mercados "apenas" para os seus produtos, livres de quaisquer barreiras ou limitações, sem sequer cogitarem em conceder tratamento igual a quem quer que seja. A grande potência mundial da atualidade, que investe seguidamente contra supostos protecionismos alheios, lançando mão, invariavelmente, de retaliações comerciais (principalmente contra o nosso País), é, ela própria, extremamente protecionista. Não costuma pactuar regras com "parceiros", mas impõe, a ferro e fogo, suas leoninas condições, sem admitir rebeldias ou contestações. Será que Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai não aprenderam nada com os erros de um passado ainda recente? Será que se julgam suficientemente capazes de encarar a Comunidade Europeia e os Estados Unidos, cada qual por sua própria conta, e levar alguma espécie vantagem comercial? Que ilusão!!!

(Editorial da Folha do Taquaral da segunda quinzena de dezembro de 1998).



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