Como uma pérola
Pedro J. Bondaczuk
A palavra é a expressão máxima da inteligência desse estranho
animal, que é o homem, que lhe possibilitou evoluir de tal sorte, a
ponto de se tornar o rei da natureza. Pelo menos desta que o rodeia
neste pequeno e remoto planeta de uma estrela de quinta grandeza
situada nos “subúrbios” da Via Láctea. Foi a palavra que lhe
permitiu comunicar pensamentos, sentimentos e experiências aos seus
semelhantes, dando início a esse processo que se convencionou chamar
de “civilização”.
Não por acaso, o inspirado autor do Gênesis, ao descrever como era
a Terra antes da existência do homem, declara: “No princípio era
o verbo”. Diz que era “sem forma e vazia” e que o “espírito
divino habitava sobre as águas”
Não descreve, pois, a entidade que criou todo o universo – que
certamente é indescritível para qualquer inteligência
infinitamente superior à humana, tamanhos são sua grandeza, poder,
glória, conhecimento e transcendência – mas citou uma das suas
infinitas características: a da comunicação.
Não disse “no princípio era um superaglomerado microscópico, com
densidade absurdamente elevada, tamanha que não existe número que
consiga quantificá-la, e que, em dado momento, explodiu
espetacularmente, no que foi denominado de big bang, numa explosão
de tamanha potência, cujo som ainda pode ser ouvido, passados, no
mínimo, 16 bilhões de anos”.
A capacidade do uso da palavra, portanto, pode ser tida e havida, até
por intuição, como uma das maiores, se não a maior, característica
de Deus. E como esta surgiu entre os humanos? Essa é uma informação
que não foi transmitida de uma geração a outra pelo genial
pioneiro. Não foi repassada por aquele gênio que intuiu que, dos
vários sons que emitia pela garganta, poderia compor algo
inteligível, desde que, claro, outros os repetissem da mesma forma,
e nas mesmas circunstâncias, para manifestar ideias, revelar
experiências e exprimir vontades.
E quando o homem começou a falar? É outra informação que jamais
saberemos. Não foi transmitida porque não poderia sê-lo. Afinal,
aquele rústico primata ainda não tinha a mais remota noção de
tempo. Portanto, não havia inventado formas de medi-lo. Esse
conceito, certamente, demorou alguns milhares de anos para ser
entendido e desenvolvido.
Desde que desenvolveu o conceito da “palavra”, porém, esse ser
consciente e curioso sentiu necessidade de perpetuar suas peripécias
e observações do mundo sem ser de forma oral. Intuiu que a memória
humana é frágil demais para reter grandes quantidades de
informações que, ademais, se perdiam irremediavelmente quando seu
receptor morria, sem passar para a frente as coisas de que havia
tomado ciência.
E como fez isso? Desenhando. Pintando, nas paredes das cavernas que
habitava, cenas de caçadas e do seu rústico cotidiano. Presume-se
que essa pintura primitiva tivesse caráter “mágico”. Ou seja,
que seus autores achassem que as fazendo, reteriam a “alma” dos
animais que pretendiam caçar que, assim, não conseguiriam escapar
das suas armas. Claro que isso não passa de mera presunção nossa,
homens modernos.
Foi dessas primitivas obras de arte, porém, que nasceram os
alfabetos, todos eles, com uma variação aqui, outra ali, mas todos
mantendo os princípios básicos. Com o passar dos anos, e das
gerações, tais pinturas foram estilizadas, transformando-se em
“letras”. Assim nasceu a escrita. Quando? É algo, também, que
se pode apenas estimar, jamais precisar.
A possibilidade de registrar, em símbolos inteligíveis para todos
que tomassem conhecimento deles (que os aprendessem), de informações,
ideias, pensamentos e sentimentos foi, contudo, o maior salto
evolutivo do homem.
A invenção da escrita tornou, de fato, esse animal tão especial na
“imagem e semelhança de Deus”. Ou seja, possibilitou-lhe
comunicar o que fazia, pensava, sentia, queria etc. não apenas aos
contemporâneos, mas a todos os espécimes da mesma espécie enquanto
existisse algum, até os finais dos tempos.
Johann Wolfgang von Goethe assim classificou essa maravilha do
engenho humano: “Uma palavra escrita é como uma pérola”.
Essa declaração, porém enseja várias interpretações. Os
pessimistas dão-lhe um determinado sentido e os otimistas, os que
valorizam o homem por todas as façanhas que já empreendeu,
emprestam-lhe outro, diametralmente oposto.
O que é, afinal, uma pérola? Não passa de uma excrescência, de
uma espécie de “tumor” calcificado de uma ostra. Ora, a palavra
escrita não pode ser classificada dessa maneira. Ocorre que a pérola
é, também, uma joia sumamente valorizada, dada sua perfeição e
beleza. Tanto que Salomão recomendava que não fosse “dada aos
porcos” (referia-se à inutilidade de se tentar transmitir
sabedoria aos néscios). Encaro, pois, nesse sentido, no de rara
preciosidade, a comparação feita por Goethe.
Afinal, no que mais o homem se aproxima de seu criador? Em mais nada.
Apesar da sua empáfia e arrogância, é um ser que ainda se encontra
nos estágios mais primitivos da evolução. E esta só lhe será
possível mediante o único ponto em que se assemelha à divindade: a
capacidade de comunicar. Afinal, como diz o inspiradíssimo autor do
Gênesis, “no princípio era o verbo...”
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