Saturday, June 09, 2018

CRÔNICA DO DIA - Turma do Rapa


Turma do Rapa



Pedro J. Bondaczuk


A Turma do Rapa, de São Caetano do Sul, onde passei parte da infância e da adolescência, é uma das lembranças mais preciosas que guardo dos meus mais de setenta e cinco anos de vida. Antes, convém esclarecer o nome. A denominação, no mínimo insólita, não significava que fôssemos fiscais da prefeitura coibindo a ação de camelôs. Longe disso.

Muito menos que se tratasse de um bando de larápios ou coisa que o valha. Tínhamos respeito fanático pelo patrimônio alheio. Convém que se diga que sequer fomos nós que criamos o apelido. O nome surgiu numa festa de casamento. Como éramos todos jovens saudáveis e tínhamos apetite de leão, o "Rapa" nasceu daí. O grupo foi batizado a partir de uma observação feita por um parente da noiva. "Rapávamos" toda a comida servida aos convidados. Gostamos do apelido e o adotamos.

Integravam a turma jogadores e diretores do Flamenguinho, o time de futebol da vila, sobre o qual já escrevi. Era uma espécie de apêndice informal do clube. Éramos muitos, portanto, por volta de trinta. Saíamos sempre juntos, para o cinema, para o teatro, para os bailes de sábado à noite ou para outras diversões de adolescentes sadios e normais do final dos anos 50 e início dos 60. Sobre alguns integrantes desse grupo já tive a oportunidade de escrever.

O Zé Gordo, por exemplo, o sujeito de melhor humor que já conheci em toda a minha vida, mereceu várias crônica, por razões óbvias. Todos gostam de pessoas de alto astral e eu também. Ao Celso, extraordinário jogador de futebol, comparável ao Pelé (e não é exagero!), que não seguiu carreira por causa da oposição da família e da cegueira dos cartolas, me referi não faz muito.

Também já escrevi sobre o Neuclair, o "conselheiro" da turma, dado o seu bom senso, que o tornava uma espécie de nosso "guru", mesmo tendo apenas 19 anos de idade. Sobre alguns outros nunca fiz qualquer citação, mas espero fazê-lo oportunamente. São os casos do Eduardo "Patinhas", do Paulo "Búlgaro", do Marinho, do Vicente, do Canguru, etc.

Éramos como irmãos. Um socorria o outro, fosse no que fosse: em dinheiro, no emprego, nos estudos e assim por diante. Se alguém estava "sem fundos" para custear o lazer de fim de semana, não tinha porque se preocupar. Logo era feita uma "vaquinha" e sua despesa estava garantida.

Tratava-se de um grupinho agitado, que apreciava as brincadeiras (algumas de mau gosto), mas sem qualquer maldade. Várias vezes fomos postos para fora de cinemas, teatros e shows, por excesso de agitação. Mas era por coisas inocentes: piadinhas, assovios ou bolinhas de papel jogadas na cabeça dos outros.

O que nos tornava especiais era a nossa união, que despertava comentários em toda a cidade. Mas o grupo era absolutamente fechado. Nenhum membro novo, mesmo que parente de algum integrante, era admitido. E formávamos uma espécie de "Clube do Bolinha": menina não entrava.

Isto não quer dizer que não apreciássemos mulheres. Pelo contrário! Todos tínhamos namoradas. Tanto que as nossas saídas de fim de semana eram combinadas para depois do horário normal de namoro. Às vezes, no cinema, alguns de nós arrumávamos companhia feminina.

Quem conseguia isso, separava-se do grupo, até para evitar piadinhas e gozações. Fazíamos, vez por outra, serenatas, mas aquela geração não era a do rock ou da seresta, mas a da Bossa Nova, o movimento que empolgava a juventude de classe média daquele período pré-1964.

Politicamente, cada qual tinha a sua ideologia e havia um trato tácito entre nós de sequer conversarmos sobre o tema. O Rapa tinha uma finalidade específica: divertir-se. Não existia para fazer proselitismo. Estávamos conscientes de que vivíamos o melhor período das nossas vidas: a juventude. Não admitíamos abrir mão de suas delícias.

Mas não se tratava de um grupo de alienados, ou de analfabetos, ou de vadios. Todos estudávamos e trabalhávamos. Tínhamos preocupações sociais e conhecimento da realidade brasileira. Éramos idealistas e sonhávamos em mudar o mundo. Tanto que todos fizemos carreira, ou como jornalistas, ou como sindicalistas, ou como líderes religiosos, etc.

Nunca, em lugar algum, conheci uma turma como a do Rapa. Não tínhamos regras, estatutos, diretoria, etc. Poucas organizações, contudo, possuíam maior mobilização, mais coesão e ordem do que a nossa. Unia-nos um liame absolutamente insuperável: éramos (e somos) amigos!. Apesar dos anos, da distância e dos caminhos opostos que cada um tomou, temos uma amizade que nada e ninguém conseguem abalar e muito menos destruir. Por isso o Rapa sempre existirá. Pelo menos em nossa memória...


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