Turma do Rapa
Pedro J. Bondaczuk
A
Turma do Rapa, de São Caetano do Sul, onde passei parte da infância
e da adolescência, é uma das lembranças mais preciosas que guardo
dos meus mais de setenta e cinco anos de vida. Antes, convém
esclarecer o nome. A denominação, no mínimo insólita, não
significava que fôssemos fiscais da prefeitura coibindo a ação de
camelôs. Longe disso.
Muito
menos que se tratasse de um bando de larápios ou coisa que o valha.
Tínhamos respeito fanático pelo patrimônio alheio. Convém que se
diga que sequer fomos nós que criamos o apelido. O nome surgiu numa
festa de casamento. Como éramos todos jovens saudáveis e tínhamos
apetite de leão, o "Rapa" nasceu daí. O grupo foi
batizado a partir de uma observação feita por um parente da noiva.
"Rapávamos" toda a comida servida aos convidados. Gostamos
do apelido e o adotamos.
Integravam
a turma jogadores e diretores do Flamenguinho, o time de futebol da
vila, sobre o qual já escrevi. Era uma espécie de apêndice
informal do clube. Éramos muitos, portanto, por volta de trinta.
Saíamos sempre juntos, para o cinema, para o teatro, para os bailes
de sábado à noite ou para outras diversões de adolescentes sadios
e normais do final dos anos 50 e início dos 60. Sobre alguns
integrantes desse grupo já tive a oportunidade de escrever.
O
Zé Gordo, por exemplo, o sujeito de melhor humor que já conheci em
toda a minha vida, mereceu várias crônica, por razões óbvias.
Todos gostam de pessoas de alto astral e eu também. Ao Celso,
extraordinário jogador de futebol, comparável ao Pelé (e não é
exagero!), que não seguiu carreira por causa da oposição da
família e da cegueira dos cartolas, me referi não faz muito.
Também
já escrevi sobre o Neuclair, o "conselheiro" da turma,
dado o seu bom senso, que o tornava uma espécie de nosso "guru",
mesmo tendo apenas 19 anos de idade. Sobre alguns outros nunca fiz
qualquer citação, mas espero fazê-lo oportunamente. São os casos
do Eduardo "Patinhas", do Paulo "Búlgaro", do
Marinho, do Vicente, do Canguru, etc.
Éramos
como irmãos. Um socorria o outro, fosse no que fosse: em dinheiro,
no emprego, nos estudos e assim por diante. Se alguém estava "sem
fundos" para custear o lazer de fim de semana, não tinha porque
se preocupar. Logo era feita uma "vaquinha" e sua despesa
estava garantida.
Tratava-se
de um grupinho agitado, que apreciava as brincadeiras (algumas de mau
gosto), mas sem qualquer maldade. Várias vezes fomos postos para
fora de cinemas, teatros e shows, por excesso de agitação. Mas era
por coisas inocentes: piadinhas, assovios ou bolinhas de papel
jogadas na cabeça dos outros.
O que nos tornava especiais
era a nossa união, que despertava comentários em toda a cidade. Mas
o grupo era absolutamente fechado. Nenhum membro novo, mesmo que
parente de algum integrante, era admitido. E formávamos uma espécie
de "Clube do Bolinha": menina não entrava.
Isto
não quer dizer que não apreciássemos mulheres. Pelo contrário!
Todos tínhamos namoradas. Tanto que as nossas saídas de fim de
semana eram combinadas para depois do horário normal de namoro. Às
vezes, no cinema, alguns de nós arrumávamos companhia feminina.
Quem
conseguia isso, separava-se do grupo, até para evitar piadinhas e
gozações. Fazíamos, vez por outra, serenatas, mas aquela geração
não era a do rock ou da seresta, mas a da Bossa Nova, o movimento
que empolgava a juventude de classe média daquele período pré-1964.
Politicamente,
cada qual tinha a sua ideologia e havia um trato tácito entre nós
de sequer conversarmos sobre o tema. O Rapa tinha uma finalidade
específica: divertir-se. Não existia para fazer proselitismo.
Estávamos conscientes de que vivíamos o melhor período das nossas
vidas: a juventude. Não admitíamos abrir mão de suas delícias.
Mas
não se tratava de um grupo de alienados, ou de analfabetos, ou de
vadios. Todos estudávamos e trabalhávamos. Tínhamos preocupações
sociais e conhecimento da realidade brasileira. Éramos idealistas e
sonhávamos em mudar o mundo. Tanto que todos fizemos carreira, ou
como jornalistas, ou como sindicalistas, ou como líderes religiosos,
etc.
Nunca,
em lugar algum, conheci uma turma como a do Rapa. Não tínhamos
regras, estatutos, diretoria, etc. Poucas organizações, contudo,
possuíam maior mobilização, mais coesão e ordem do que a nossa.
Unia-nos um liame absolutamente insuperável: éramos (e somos)
amigos!. Apesar dos anos, da distância e dos caminhos opostos que
cada um tomou, temos uma amizade que nada e ninguém conseguem abalar
e muito menos destruir. Por isso o Rapa sempre existirá. Pelo menos
em nossa memória...
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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