Ainda o salário mínimo
Pedro J. Bondaczuk
O tema referente ao reajuste
do salário mínimo --- ao contrário do que ocorria em outros anos,
quando vinha à baila apenas em meados de abril, antes de entrar em
vigor em 1º de maio --- frequentou as manchetes, quase que
ininterruptamente, nos primeiros cinco meses de 2000, ofuscando as
eleições municipais de outubro próximo. Mesmo estando em vigor,
fixado em R$ 151, continua gerando muitas controvérsias, agora em
virtude da votação da Medida Provisória que definiu o novo piso
nacional.
O Congresso, por outro lado,
aprovou a criação de pisos regionais diferenciados o que, no
entender de muitos e conceituados juristas, é inconstitucional, por
ferir cláusula pétrea (que não pode ser alterada) da Constituição,
no que se refere a direitos individuais. O deputado Abi Ackel
garantiu que não é. Essa, porém, é uma discussão que promete
render. Certamente, a matéria irá ao Supremo, que deverá deliberar
a respeito. Ou seja, mesmo em um ano eleitoral, o tema ainda deve dar
muito pano para manga. E tanta discussão por tão pouco dinheiro!
Por mais que o governo insista
em afirmar que os R$ 15 de reajuste são o máximo que o País pode
suportar neste momento, isso não convence a ninguém. Nem mesmo os
parlamentares da base governista, que perderam uma rara oportunidade
de, pelo menos, dar o "pontapé inicial" de uma tímida
redistribuição de renda, da qual, há muitíssimo tempo, o Brasil
carece. Há políticos (mas não se pode generalizar) que são
imediatistas e não têm perspectiva histórica (que é o mínimo que
se pode dizer deles).
Raras vezes um modelo
econômico (e foram tantos os postos em prática entre nós nos
últimos trinta anos) foi tão contestado, quanto o atual. Não, é
claro, pelos seus poucos beneficiários que, aliás, são os que têm
acesso à chamada grande imprensa e que, por consequência,
influenciam diretamente na formação da opinião pública. Fica até
parecendo que a sua tese é a consensual. Evidentemente, não é.
As críticas à escandalosa
concentração de renda existente no País, que se não está se
acentuando, pelo menos vem se mantendo em um patamar intolerável e
até absurdo, não se limitam a setores mais à esquerda da oposição.
Vêm de todas as partes (à exceção, reiteramos, dos que se
beneficiam desse anormal estado de coisas e de seus vassalos),
inclusive (ou principalmente) do Exterior.
Em dias recentes, até a
secretária de Estado norte-americana, Madeleine Albright, teceu
contundentes considerações sobre os governos da América Latina,
incluindo, logicamente, o Brasil (só faltava não incluir a
sociedade mais injusta e excludente não só do continente, mas de
todo o mundo), pelas políticas postas em prática, que penalizam a
grande maioria da população do hemisfério, ampliando, de forma
absurda, desumana e insustentável, o número de miseráveis. Ou
seja, os governantes latino-americanos, em sua subserviência ao
apátrida capital internacional, chegam a ser muito mais realistas do
que o rei. Ou incompetentes?
Destaque-se que o salário
mínimo brasileiro é um dos mais incipientes não em comparação
com o dos países desenvolvidos, mas do Terceiro Mundo. E que não se
diga, como muitos já afirmaram em entrevistas em redes de televisão,
que não há muitos trabalhadores que têm essa remuneração quase
"virtual" e que a mesma não passa de "mero valor de
referência". Isso é deslavado cinismo.
Não é nada difícil de se
apurar que pelo menos metade da nossa população economicamente
ativa (qualquer coisa ao redor de 32 milhões de brasileiros)
sobrevivem, milagrosamente, com essa miséria, com esse valor
perverso --- que o ministro da Fazenda, Pedro Malan, deu a entender
ainda que se trata de quantia considerável, já que daria "para
cobrir o custo de uma cesta básica e ainda sobrariam alguns reais"
--- quando não, a metade disso, contrariando não apenas o bom
senso, mas a própria lei. Se é salário mínimo, claro que ninguém
pode receber menos do que os já miseráveis e irrisórios R$ 151.
Antes da votação da Medida
Provisória, que determinou o reajuste deste ano, o PFL ameaçou
"roer a corda" e aprovar um valor equivalente a US$ 100 (ou
perto disso). Pura conversa. Os parlamentares do partido, que aliás
trouxeram o tema à baila, prematuramente, ainda no mês de
fevereiro, estavam apenas "jogando para as arquibancadas".
Provavelmente, tentavam impressionar os incautos e os basbaques, os
eternos crédulos, que ainda creem no coelhinho da Páscoa e no Papai
Noel. Quanto aos pisos regionais, que dependem de aprovação das
Assembleias Legislativas dos Estados e da definição de
constitucionalidade, por parte do Supremo, caso venham a ser
aprovados, não vão beneficiar aposentados e pensionistas. Pelo
contrário. E alguém esperava atitude diferente? Mais uma vez
aqueles que, com seu trabalho e dedicação, produziram a riqueza
deste País (a 8ª maior economia do mundo) vão ficar a ver navios.
E alguém ainda tinha dúvidas de que isso iria acontecer?
(Editorial da Folha do
Taquaral de 15 de junho de 2000).
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