Wednesday, June 13, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Ainda o salário mínimo


Ainda o salário mínimo


Pedro J. Bondaczuk


O tema referente ao reajuste do salário mínimo --- ao contrário do que ocorria em outros anos, quando vinha à baila apenas em meados de abril, antes de entrar em vigor em 1º de maio --- frequentou as manchetes, quase que ininterruptamente, nos primeiros cinco meses de 2000, ofuscando as eleições municipais de outubro próximo. Mesmo estando em vigor, fixado em R$ 151, continua gerando muitas controvérsias, agora em virtude da votação da Medida Provisória que definiu o novo piso nacional.

O Congresso, por outro lado, aprovou a criação de pisos regionais diferenciados o que, no entender de muitos e conceituados juristas, é inconstitucional, por ferir cláusula pétrea (que não pode ser alterada) da Constituição, no que se refere a direitos individuais. O deputado Abi Ackel garantiu que não é. Essa, porém, é uma discussão que promete render. Certamente, a matéria irá ao Supremo, que deverá deliberar a respeito. Ou seja, mesmo em um ano eleitoral, o tema ainda deve dar muito pano para manga. E tanta discussão por tão pouco dinheiro!

Por mais que o governo insista em afirmar que os R$ 15 de reajuste são o máximo que o País pode suportar neste momento, isso não convence a ninguém. Nem mesmo os parlamentares da base governista, que perderam uma rara oportunidade de, pelo menos, dar o "pontapé inicial" de uma tímida redistribuição de renda, da qual, há muitíssimo tempo, o Brasil carece. Há políticos (mas não se pode generalizar) que são imediatistas e não têm perspectiva histórica (que é o mínimo que se pode dizer deles).

Raras vezes um modelo econômico (e foram tantos os postos em prática entre nós nos últimos trinta anos) foi tão contestado, quanto o atual. Não, é claro, pelos seus poucos beneficiários que, aliás, são os que têm acesso à chamada grande imprensa e que, por consequência, influenciam diretamente na formação da opinião pública. Fica até parecendo que a sua tese é a consensual. Evidentemente, não é.

As críticas à escandalosa concentração de renda existente no País, que se não está se acentuando, pelo menos vem se mantendo em um patamar intolerável e até absurdo, não se limitam a setores mais à esquerda da oposição. Vêm de todas as partes (à exceção, reiteramos, dos que se beneficiam desse anormal estado de coisas e de seus vassalos), inclusive (ou principalmente) do Exterior.

Em dias recentes, até a secretária de Estado norte-americana, Madeleine Albright, teceu contundentes considerações sobre os governos da América Latina, incluindo, logicamente, o Brasil (só faltava não incluir a sociedade mais injusta e excludente não só do continente, mas de todo o mundo), pelas políticas postas em prática, que penalizam a grande maioria da população do hemisfério, ampliando, de forma absurda, desumana e insustentável, o número de miseráveis. Ou seja, os governantes latino-americanos, em sua subserviência ao apátrida capital internacional, chegam a ser muito mais realistas do que o rei. Ou incompetentes?

Destaque-se que o salário mínimo brasileiro é um dos mais incipientes não em comparação com o dos países desenvolvidos, mas do Terceiro Mundo. E que não se diga, como muitos já afirmaram em entrevistas em redes de televisão, que não há muitos trabalhadores que têm essa remuneração quase "virtual" e que a mesma não passa de "mero valor de referência". Isso é deslavado cinismo.

Não é nada difícil de se apurar que pelo menos metade da nossa população economicamente ativa (qualquer coisa ao redor de 32 milhões de brasileiros) sobrevivem, milagrosamente, com essa miséria, com esse valor perverso --- que o ministro da Fazenda, Pedro Malan, deu a entender ainda que se trata de quantia considerável, já que daria "para cobrir o custo de uma cesta básica e ainda sobrariam alguns reais" --- quando não, a metade disso, contrariando não apenas o bom senso, mas a própria lei. Se é salário mínimo, claro que ninguém pode receber menos do que os já miseráveis e irrisórios R$ 151.

Antes da votação da Medida Provisória, que determinou o reajuste deste ano, o PFL ameaçou "roer a corda" e aprovar um valor equivalente a US$ 100 (ou perto disso). Pura conversa. Os parlamentares do partido, que aliás trouxeram o tema à baila, prematuramente, ainda no mês de fevereiro, estavam apenas "jogando para as arquibancadas". Provavelmente, tentavam impressionar os incautos e os basbaques, os eternos crédulos, que ainda creem no coelhinho da Páscoa e no Papai Noel. Quanto aos pisos regionais, que dependem de aprovação das Assembleias Legislativas dos Estados e da definição de constitucionalidade, por parte do Supremo, caso venham a ser aprovados, não vão beneficiar aposentados e pensionistas. Pelo contrário. E alguém esperava atitude diferente? Mais uma vez aqueles que, com seu trabalho e dedicação, produziram a riqueza deste País (a 8ª maior economia do mundo) vão ficar a ver navios. E alguém ainda tinha dúvidas de que isso iria acontecer?

(Editorial da Folha do Taquaral de 15 de junho de 2000).


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