As Bolsas e a Vida
Pedro J. Bondaczuk
A crise financeira na Ásia,
nos outrora chamados "Tigres Asiáticos" --- que receberam
essa designação por causa da agressividade que demonstraram no
comércio exterior --- parece não ter mais fim. Desde outubro
passado, as oscilações nos mercados de ações vêm mantendo em
suspense as autoridades econômicas dos chamados "países
emergentes", como Brasil e Argentina, temerosas de ataques
especulativos às suas respectivas moedas.
Quando as coisas parecem
tender à estabilização, lá vem a notícia da quebra de alguns
bancos na Coreia do Sul, ou da falência fraudulenta de alguma
corretora no Japão ou a informação sobre dificuldades do banco
central indonésio. E tudo volta de repente à estaca zero. O
"terremoto" financeiro recomeça, derrubando as bolsas
asiáticas, europeias e latino-americanas e aumentando o clima de
incerteza mundial.
Na sexta-feira, a causa do
abalo foi a Indonésia, cuja moeda foi fortemente desvalorizada.
Anteontem, a quebra do Peregrine Investments Holdings, de Hong Kong,
deixou o "mercado nervoso", expressão cada vez mais em
voga para caracterizar a tendência de venda de papéis, o que
provoca queda na cotação média das ações. Qual será a próxima
vítima?
De repente, moedas de nomes
exóticos, antes conhecidas de pouquíssimos especialistas ou dos que
são afeitos a curiosidades contidas em almanaques, como "bath",
"won", "ringit" ou "rúpia indonésia",
se incorporaram ao noticiário do dia a dia e ao vocabulário
inclusive de leigos.
Mas a pergunta que o
brasileiro faz a todo instante, temeroso quanto à resposta, é: o
Real vai conseguir resistir, apenas com as 51 medidas adotadas pelo
governo (algumas comprovadamente ineficientes ou inaplicáveis) a um
novo e eventual ataque especulativo?
A equipe econômica do
presidente Fernando Henrique Cardoso e, em especial, o ministro da
Fazenda, Pedro Malan, garantem que sim. E de quebra asseguram que não
haverá novos ônus sociais para a população nesse "braço de
ferro" financeiro, em um mundo globalizado.
Esse otimismo, porém, não é
compartilhado por ilustres economistas nacionais e internacionais. O
professor da Fundação Getúlio Vargas, Paulo Nogueira Batista
Júnior, por exemplo, entende que o Brasil é um dos países
periféricos mais vulneráveis a ataques especulativos. A
vulnerabilidade está na chamada "âncora cambial",
constituída pela reserva em moeda forte, no caso dólares (parte
considerável atraída pelos altíssimos juros pagos pelo governo),
que sustenta artificialmente a cotação do nosso signo monetário.
Outros dois alvos potenciais
de ataques são, aparentemente, mais frágeis ainda: Rússia (recém
implantando um programa de estabilização) e Argentina. Para muita
gente, a crise asiática é um fenômeno distante, que nada tem a ver
com suas vidas ou com suas realidades pessoais. Mas tem. Seus
empregos estão em jogo. Seu "status" social pode ser
alterado em um piscar de olhos. O futuro de seus filhos pode ser
comprometido.
É o preço do crescimento, em
um mundo globalizado. Em Dacca, capital de Bangladesh, em Cabul
(Afeganistão), em Mogadíscio (Somália) ou em Addis-Abeba
(Etiópia), ninguém está preocupado com o terremoto financeiro do
Sudeste da Ásia. É possível e provável que esses países, que têm
as menores rendas per capita do Planeta, sequer tenham bolsas de
valores. Não participam portanto do "jogo da globalização",
repleto de armadilhas e surpresas. São os "excluídos" da
comunidade internacional, condição que o Brasil começa a deixar.
(Editorial número um
publicado na página 2 do Correio Popular em 14 de janeiro de 1998).
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